Rappin Hood (à esquerda) e Gilponês, jornalista e colaborador do Bocada Forte.
Rappin Hood (à direita) e Gilponês, jornalista e colaborador do Bocada Forte.

Do MNU ao hip hop, eventos e locais ligam a história dos ativistas da luta contra o racismo

Os desavisados no meio da multidão nem imaginavam o que aqueles tiozinhos barrigudos poderiam fazer, mas se tratava do Public Enemy, um dos representantes do melhor rap do planeta, grupo que influenciou a carreira e o discurso de rappers como GOG, Racionais MCs, DMN, entre outros tantos que cresceram com o fermento político, periférico e racial dos anos 1990.

Quando Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, anunciou a vinda de Chuck D e seu exército sonoro na reinauguração do Clube Tietê, alguns questionaram a importância da escolha, mas, no dia 18 de outubro de 2014, a grande maioria dos presentes se rendeu ao que podemos chamar de um verdadeiro show.

Durante a abertura do evento, a fala do MC RAPPIN HOOD foi emblemática, ecoa até hoje na mente dos que conhecem nossa história. Foi algo mais ou menos assim:Negão era barrado na porta aqui. Agora a gente invade.

Ícone da elite paulistana do passado, o clube foi fechado em 2012. Acontece que naquele sábado de outubro, os amantes do hip-hop prestigiaram a inauguração do espaço para shows da nova instituição. Dexter e Hood comandaram o público ao som do DJ Alfreedelic, depois mandaram seus raps.

Pessoas de diferentes gerações reunidas sentiram a essência do hip-hop e ouviram um discurso político embalado num rap barulhento, cheio de guitarras, colagens, riscos, grooves acústicos e batidas vindas do set up do DJ Lord, artista que carrega a tradição caótica de Terminator X, primeiro DJ grupo que saiu em 2009.

Flavor Flav, do Public Enemy (Foto: site UOL)
Flavor Flav, do Public Enemy (Foto: site UOL)

As versões ao vivo dos sucessos do Public Enemy podem ter causado estranhamento para quem está acostumado ao “mais do mesmo” que representa 90% dos shows de rap atuais. A dinâmica do Public Enemy é a da desconstrução, seus beats densos ganham novas formas no palco.

Sempre trocando uma ideia com o público, mesmo sem interprete, Chuck D e Flavor Flav, MCs apocalípticos e carismáticos, misturaram muitos anos de rap e luta contra o racismo disparando as rimas de seus maiores hits. Detalhe, nenhum desses hits têm em sua fórmula os ingredientes que são usados nas músicas que estão no topo das paradas mundiais.

A importância da frase de Rappin Hood
Em 1978, jornais da época registraram a crise que cercava o Clube de Regatas Tietê. No dia 26 de maio, os pais dos atletas negros Elias do Sacramento Machado Filho, de 14 anos, Paulo Rogério Ribeiro, Paulo Sérgio Moreira Gomes e Walter Santos Junior, todos com 13 anos de idade, lançaram um manifesto de repúdio à atitude dos dirigentes da agremiação. A causa: a diretoria impediu, segundo denúncia de quatro técnicos, a participação dos quatro jovens em seu quadro do time de voleibol. Após a denúncia, os técnicos foram demitidos.

No dia 7 de julho de 1978, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, milhares de pessoas protestaram num ato público contra a discriminação sofrida pelos quatros garotos do time de voleibol do Tietê. A morte de Robson Silveira das Luzes, após tortura policial no distrito de Guaianazes, também foi alvo dos protestos. Este foi o marco fundador do Movimento Negro Unificado (MNU), que até hoje é uma das instituições atuantes na luta contra o racismo no Brasil.

É necessário conhecer nossa história para entender o real valor do show do Public Enemy numa área que era destinada apenas aos membros de uma elite racista. Rappin Hood não deixou passar batido. Vida longa ao hip hop!

Publicado por Portal Bocada Forte

Pioneiro no Brasil, fundado em 1999, o BF tem como foco o original hip hop brasileiro e internacional, com ênfase na cena alternativa.

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