Lançamento: Alquimistas, ‘Chumbo’

DESTAQUE#RapBRASILEIRO
Ouça o álbum “Chumbo“, do grupo de rap de São Bernardo do Campo, São Paulo, ALQUIMISTAS. O disco faz parte da trilogia que contará ainda com o lançamento dos álbuns “Prata” e “Ouro”. Ouça o som “Tudo pode” (abaixo), escute e baixe o álbum completo.

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Hip Hop, 4 décadas de história e resistência

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Bambaataa e King Nino Brown.

EM POUCO MAIS DE QUATRO DÉCADAS, O HIP HOP TORNOU-SE UMA CULTURA GLOBAL, ABRAÇADA POR MILHARES DE JOVENS AO REDOR DO PLANETA

Desde sua criação, em 1974, são 40 anos de cultura hip hop. De lá pra cá muita coisa se passou. AFRIKA BAMBAATAA, 50 anos, viu o que antes era um simples “movimento” virar uma cultura global e sua voz ser escutada e respeitada no mundo todo. Numa entrevista concedida ao Portal Bocada Forte e a jornalista Cinthia (Zulu Nation Brasil), em maio de 2007, o “pai do hip hop”, acompanhado da presença ilustre de King Nino Brown, falou sobre como vê o mundo hoje, suas preocupações, espiritualidade, a música rap e muito mais.

Uma verdadeira aula com o mestre dos toca-discos e responsável pela criação do termo “hip hop”, Mr. Bam.

Bocada Forte (BF): Nós ouvimos você comentar de sua preocupação com a violência no Brasil… Afinal, o que vem fazendo Bambaataa se preocupar e refletir nos dias de hoje, além da violência?

Afrika Bambaataa: O grande problema no mundo hoje é o acesso ao conhecimento, a educação. Também a questão do racismo e do poder branco, da “supremacia branca”. Muitos dos meus irmãos e irmãs do Brasil precisam esforçar-se para aumentar seu conhecimento sobre si mesmos e os outros. Por exemplo… Isso significa, que aqueles que se chamam pretos brasileiros precisam saber que seus ancestrais não vieram ao Brasil somente em navios negreiros, como escravos. Vocês são os herdeiros de um povo que estava aqui muito antes desta terra ser chamada Brasil, ou América Latina, ou América Central ou do Norte. Seus ancestrais aqui viviam, assim como os Maias, Astecas e tantos outros povos. É preciso que a juventude passe a estudar, conhecer e a debater como era o Brasil antes de ele ser chamado Brasil. É preciso buscar as reais origens, não somente de quando os europeus por aqui chegaram.

Quando você se aprofunda no estudo das raízes da história você fica sabendo quem estava aqui muito antes de Colombo pisar aqui. No filme feito por Mel Gibson, chamado “Apocalíptico”, por exemplo, você não vê uma representação dos Maias com pele clara, fantasiosa. Vê homens com chapéus quadrados, cabelos rasta, com locks, pele mais escura, exatamente como realmente se pareciam as pessoas daquela época. Essa é uma representação baseada em estudos. Outro exemplo: você sabe da história de Zumbi? Você pode encontrar muita coisa nos computadores, na Internet sobre ele, mas muito poucos livros. As pessoas recebem a informação de que a cultura do povo preto começou com a escravidão, mas isso não é verdade. Assim, nós precisamos matar o racismo e mostrar a todos que pretos, marrons, vermelhos, amarelos, brancos somos todos seres humanos.

Verdadeiramente, não existe uma terra chamada “terra dos pretos”, “terra dos marrons”, “terra dos brancos”, “terra dos vermelhos”. Isso tudo é uma cultura de supremacia branca. A real questão é onde você nasceu, o seu berço, qual sua nacionalidade, de onde você veio. Daí se percebe que a real luta é a luta contra a violência entre os povos. A luta é cidade à cidade, favela à favela, rua à rua, nas esquinas. Cada um fazendo sua parte, dando o melhor de si. Buscando o conhecimento de si mesmo e da vida podemos vencer e realmente libertar-nos.

Cinthia (Zulu Nation Brasil): Bambaataa, nós gostaríamos de saber como foi sua vida quando mais jovem e como veio a cultura hip hop nessa época?

Bambaataa: A vida era realmente uma batalha, gangues de rua e violência por todos os lados. Mas em meio a tudo tínhamos, por exemplo, grandes professores do Islam. Pessoas como Malcom X, Louis Farrakan. Tínhamos o Partido dos Panteras Negras, Angela Davis. Tínhamos grandes cantores pela paz como James Brown, Aretha Franklin, Sly & The Family Stone, Isley Brothers, John Lennon, e tantos outros. Seja em suas músicas ou discursos, todos me ensinaram algo de bom. Algo que me auxiliou a moldar minha mente de forma positiva e tirar-me do ócio e do crime, me levando a pensar em fazer algo pelo meu povo. Na sequência também veio o grande professor Martin Luther King, o “Young Lords Party“, o movimento do Partido Porto-riquenho, tudo foi me despertando pra algo maior.

Foi então que assisti a um filme na TV chamado “Zulus” (veja o vídeo abaixo), onde os Zulus da África lutavam pela sua liberdade contra os britânicos, que tentavam invadir suas terras. Isso me despertou e me fez imaginar: “quando eu for mais velho vou querer ter a minha Zulu Nation, um dia”. E hoje temos a Universal Zulu Nation e quem sabe no futuro não poderemos ter a nossa “Galáctica Zulu Nation”, indo de planeta a planeta defendendo a paz.

20070606125322BF: Todos sabemos que você tem uma ligação muito forte e especial com o lado espiritual. Ao mesmo tempo, hoje vivemos num mundo extremamente violento e materialista. Como despertar as mentes das pessoas, dos jovens, para a paz, as coisas boas e positivas?

Bambaataa: Antes de tudo é preciso haver organização e que se tenham bons mestres, professores, oradores. Alguém que fale a juventude assim como aos nossos ancestrais. Ensinar o respeito a esses ancestrais, nossos avós, bisavós e tataravós. A sua mãe é a minha mãe. Sua irmã é a minha irmã. Seu pai é o meu pai. E quando todos se olharem dessa forma, respeitando os mais antigos teremos um mundo melhor. Sabe, o que muda o hip hop é a sua parte negativa, que vem principalmente dos Estados Unidos. A gente vê todo mundo se chamando de “niggaz” (negros), “bitches” (prostitutas). Daqui a pouco eles estão falando que sua mãe é uma vagabunda. Que sua irmã é uma vagabunda. E de repente todos começam a achar isso comum e corriqueiro e você começa a chamar sua mãe de vagabunda e sua irmã de vagabunda, seu irmão de “negrão”… E aí você se torna um imbecil. Afinal, pessoas morrem todo o dia por causa disso. Mas você continua a usar esses termos entre as pessoas que convive. Aí então um europeu chama você de “negrão” e você não vai gostar. Vai ficar irado. Mas como você vai ficar bravo se você mesmo se chama “negrão” e gosta de chamar os outros assim?

Então, precisamos mostrar aos jovens a sua real identidade, quem são seu povo, quem são seus ancestrais e seus reais valores. E precisamos ver na TV a história de Zumbi, a história dos Panteras Negras, do Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos, a história da África do Sul, a história do Brasil e todos seus problemas, a história da Cidade de Deus. Aí vendo isso as pessoas terão de pensar: “nós precisamos fazer algo a respeito destes problemas”. Então precisaremos de oradores. Pessoas que falem como Farrakan, como Malcom X, como John Lennon.

Cinthia: O que você pensa dos rappers atuais e desse “novo estilo de hip hop”? De artistas como 50 Cents que se auto-denominam “do hip hop” e, na minha opinião, não o são. O que você pensa sobre isso e sobre suas letras, que tratam de sexo, grana e violência?

Bambaataa: Bem, o 50 Cents continua sendo meu irmão. E ele representa um lado do hip hop. Nós não temos de nos preocupar apenas com o 50 Cents, mas com as Rádios que têm programas que “programam sua mente” diariamente, por todo o Brasil, por todo os Estados Unidos, por todo o mundo. Se você toca 50 Cent, você ainda tem Commom Sense, que é outro MC. Se você toca Missy Eliot, nós ainda temos Soul Sonic Force e Sugar Hill Gang. Se você toca Limp Bizkit e Korn, nós ainda temos Beatles e os Rolling Stones. Se você toca o novo samba, nós teremos o velho samba. Você toca o novo hip hop, nós temos o velho hip hop. Se você tem algo novo, você sempre terá algo mais antigo. Então, se você toca coisas novas, dê também espaço para as coisas velhas. E eu não falo só de coisas velhas, com 10 ou 5 anos de idade, mas música dos anos 40, 50, 60. Vamos misturar isso. Vamos fazer com que as pessoas escutem de tudo um pouco. De repente as pessoas estarão ouvindo a rádio e dirão “ei, isso é James Brown e os caras do grupo tal usaram naquele som novo”. Ou então você dirá “puxa, isso é Tim Maia. Veja o que ele fazia naquele tempo“. Dessa forma, as pessoas poderão sentir a diferença. Precisamos chegar nas estações de Rádio e TV e dizer “ei, nós queremos mais equilíbrio na programação. Queremos saber também do passado, das músicas antigas, dos artistas mais velhos e dos trabalhos de artistas independentes também”. Só assim os artistas como 50 Cents começarão a cair em esquecimento. Começarão a ser ignorados aos poucos. Você terá os gangstas, mas terá também os artistas que falam de amor, de paz. As pessoas poderão dizer “ah, mas isso é contraditório”. Mas nós sempre teremos o bom e o ruim. Nós somos bons e ruins. É o “Ying e Yang”. Todo ser humano tem seu lado bom e ruim.

20070606125515BF: Bam, aqui no Brasil nós temos muitas dificuldades em realizar grandes eventos. Em conseguir verba para realizá-los. Ao contrário dos Estados Unidos e de outros países onde o hip hop é maduro, como a França, as grandes empresas demonstram não ter interesse na cultura. Como lidar com isso?

Bambaataa: Muitas empresas desejam ficar cegas, surdas e mudas. Não importa a eles o que a juventude vem fazendo. Eles querem mais é fazer dinheiro e ampliar o controle sobre você. Eu olho aqui (Bambaataa olha pela janela do quarto do hotel, onde se tem uma bonita vista da cidade) e vejo muito mais prédios que em Nova York. Eu vejo como em Tóquio, no Japão. Então não há razão para que não encontremos pessoas morando nas ruas, passando fome ou morando em favelas. Mas se cada pessoa nesses grandes prédios doassem um Real cada, seria um milhão para que pudéssemos realizar algo bom. Para limpar a área, tirar as pessoas das ruas, da fome. Para fazer uma escola. E assim você reúne um real de cada pessoa em outra grande comunidade de São Paulo e constrói um grande centro de estudos para jovens. Algo que seja bom ou funcional para as pessoas.

As pessoas precisam aprender a não depender tanto do governo. As pessoas precisam se organizar verdadeiramente. Se todos decidissem não comprar mais cigarros e colocar esse dinheiro na “conta bancária do povo” muitas outras coisas boas poderiam ser construídas. A ajuda está em suas próprias mãos. Se você não fizer nada por você ou para mudar a situação e ficar esperando, nada irá mudar e todos continuaremos a ser dominados pelas grandes indústrias… Continuaremos a fazer parte do “Matrix” (risos).

Cinthia: Ao redor do mundo nós vemos demonstrações de reivindicações e lutas do povo negro na tentativa de conquistar mais espaço e direitos que nos foram suprimidos. Você acredita que ainda hoje nós negros somos unidos devido a nossa condição cultural ou porque somos negros?

Bambaataa: O povo preto precisa estudar sua história. Esses são seus ancestrais (Bambaataa mostra livro de estudos muçulmano com a história dos povos antigos). Você precisa apoderar-se do conhecimento. Eles não desejam que você saiba que seu povo já estava aqui, a muito tempo antes de Colombo chegar. Você já se perguntou porque eles chamavam o povo daqui de índios? Aqui não existiam índios. Aqui não era a Índia. Mas você tem “índios norte-americanos”, “índios sul-americanos”, etc. Nossos ancestrais são de outro povo. Um povo bem mais antigo, presente aqui desde muito tempo. Mas eles não querem que você saiba disso (Bambaataa retira da sua bolsa outro livro e aponta). Eles criam sociedade secretas e mascaram a história. Eles não querem que você saiba o que aconteceu e o que acontece. Você sabia que muito da crença cristã vem dos antigos egípcios? Porque eles não desejam que você saiba disso? Porque eles não querem que você saiba quem estava lá antes dos europeus chegarem? Eles escondem tudo!

Cinthia: Eu não sei se me fiz entender, mas gostaria de saber, na realidade, se você acha que nós continuamos unidos pelo fato de sermos negros.

Bambaataa: Pois bem… Eles desejam que nós continuemos brigando entre nós. “Eu sou preto. Eu sou marrom. Eu sou amarelo. Eu sou branco”. Essas são as regras impostas. Você está vendo essa foto? (Bambaataa aponta para uma figura artística muito antiga numa foto). Ele é muito parecido comigo e contigo. Tem nariz grande, achatado, lábios grossos. Esses são seus ancestrais, que estiveram aqui. Eles estavam lá nos Estados Unidos muito antes de alguém por lá chegar. E eu não falo somente seu ou meu ancestral porque ele é preto, mas de todos nós independente da cor! E é assim que a supremacia branca se mantém. Eles não te ensinam isso. Você já se perguntou porque será que europeus e americanos são tão ricos? Ora, eles roubaram essa riquesa dos povos antigos! Roubaram tudo de nossos ancestrais. Você era rica no passado! Eles se apoderaram de tudo.

Pergunte-se: porque vemos tantos obeliscos e figuras piramidais por todo lado em São Paulo ou em outras grandes cidades do mundo? Isso tudo vem da cultura de nossos remotos ancestrais. Do Egito antigo! Repare nos livros sagrados da Bíblia e em muitos outros existentes. Todos contam as mesmas histórias de formas diferentes. Todos baseados nos relatos egípcios.

BF: Conte-nos sobre a época que tínhamos os punks juntos com os negros curtindo o hip hop. Como foi essa experiência?

Bambaataa: Sim, eles estavam lá junto conosco. Participando das festas que fazíamos. Os punks foram o primeiro movimento europeu a abraçar a cultura hip hop. Nós devemos muito respeito aos punks e ao seu movimento. Eles não tinham medo de se aproximar dos negros, das festas. Eles ouviam James Brown e “caiam no funk”, eles ouviam David Bowie e “caiam no funk”. Nós tínhamos até punks fazendo música rap!

20070606125545Cinthia: E o racismo norte-americano? É diferente do racismo no Brasil?

Bambaataa: O racismo é, em todo lugar, basicamente o mesmo. Você tem a posição de poder e o topo da coisa e tem a parte de baixo. A supremacia branca se coloca no topo e deseja ver a gente embaixo. Mas eles não percebem e não querem que você saiba que o negro pode vir em muitas tonalidades. Ele pode vir claro, quase branco, como Carmem Miranda ou como Gerson King Kombo ou Nelson Mandela. Mas eles querem que vocês briguem entre vocês. Até mesmo os brancos europeus são seus filhos, pois você ajudou a concebe-los.

Você acredita em Jesus, em Deus, em Xangô. Mas eu posso vê-la como uma deusa. Eu posso vê-lo como um deus. Você me atinge em espírito muito antes de eu ver sua cor. Mas eles não querem que você saiba disso. Eles não querem que você saia da “caixa de matrix”. Olha pra lá (Bambaataa aponta para a televisão). Eles te contam mentiras. Eles te controlam por lá.

BF: Para finalizar, envie uma mensagem a todos da cultura hip hop. MCs, Dançarinos de Rua, Graffiteiros, DJs.

Bambaataa: Nós podemos amar a cultura hip hop, mas se não tivermos conhecimento de como podemos modificar nossa situação, nossa comunidade e nosso espaço e aprendermos a respeitar nossos ancestrais, seremos sempre escravos. Ame a você mesmo, ame seus ancestrais, ame seu povo e tente fazer algo por você, pelos outros e pelo seu povo. Mas, principalmente, respeite a mãe terra!

Porque você pode amar o hip hop, o funk, o jungle, o house, o gangsta, as festas, o sexo, mas se você não respeitar a mãe terra ela irá te cuspir pra fora. Tornados, terremotos, tsunamis… Ondas maiores que esses prédios (Bambaataa aponta para os altos prédios) te varrerão. Porque a mãe terra é uma entidade viva e você precisa respeitá-la. Porque se você não respeitá-la apenas uma faísca do sol te queima e te transforma em pó. Esse é o aquecimento global. Porque se nós não nos preocuparmos com o aquecimento global você não precisa mais se preocupar com o hip hop, ou com o rock´n´roll, ou com o jazz, nem com gangstas ou qualquer outra coisa, porque a natureza se encarrega de te dar um belo chute na bunda (risos).

Crônica Mendes

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Entre uma pausa e outra na divulgação do disco “Até Onde o Coração Pode Chegar”, seu trabalho solo, CRÔNICA MENDES conversou com o Bocada Forte. O rapper falou sobre seu CD, homofobia e religião, entre outros assuntos.

Bocada Forte: É difícil se posicionar num tempo em que os mais novos no rap estão deslumbrados com as recentes tendências e discursos do rap dos EUA, e os mais velhos perdidos entre um novo público e um novo jeito de se fazer rap?
Crônica Mendes: Cara, eu procuro me atualizar o tempo todo em tudo aquilo que eu faço. Desde meu rap, a minha poesia, a minha vida. Não uso o mesmo tênis que usava há 15 anos, nem falo as mesmas gírias, mas sempre tem algo que fica e é aperfeiçoado e mantém aquela vibe saudosista, mas em essência eu busco sempre manter as raízes bem profundas nas origens, os galhos podem ser mais versáteis, mas a raiz tem que ser firme. Existe sim um jeito novo de se fazer rap, novos samplers, programas de produção, novos temas também, levadas, timbres e por aí vai, mas isso não significa que é melhor ou pior do que fazíamos antigamente, pois antigamente e hoje também tem muita coisa ruim sendo feita e muita coisa boa. O poder de ouvir ou de mudar de estação sempre pertencerá ao público, este sim é quem decide o que vai crescer na audiência popular.

Bocada Forte: Em relação aos instrumentais, você se sentiu pressionado a diversificar ou apenas deixou vazar estilos, referências e beats que estavam ‘represados’? Fale um pouco sobre a produção do disco.
Crônica Mendes: O disco levou cerca de dois anos para chegar no resultado que foi pras ruas. Sou um cara bombardeado pela música mundial, das nossas, eu amo a música brega, a jovem guarda, o rock do anos 80 e tal. Quando fui construir meu disco eu apenas selecionei os temas que queria falar e os samples foram encontrados juntos com as letras, pois eu não componho e depois coloco a voz em cima de qualquer base apresentada num estúdio. Ou eu escrevo em cima de um sample, ou escrevo já sabendo a melodia que vou querer, e a batida também. Claro que quando chego no estúdio também sofro influência do produtor, pois não faço nada sozinho, confio em quem trabalho. O disco leva a assinatura do maestro DJ Raffa, quem conhece sabe o talento e personalidade deste monstro da nossa música. Quando decidi fazer o disco com ele, estava com uma ideia pro disco e ele agigantou tudo o que eu pensava. Na minha opinião, ele transformou um disco nota 10 em nota mil. A versatilidade do disco foi natural, creio que o artista é isso, versátil, plural, assim como a periferia é. Eu não queria fazer um disco semelhante ao que já tinha feito com meu grupo (A Família), eu queria ir mais além, queria dar continuidade, e não fazer um trabalho mais do mesmo, o resultado taí.

IMG2Bocada Forte: Na música “Castelo de Madeira”, se não me engano, tem um sample de batera do Massive Attack, na “Domingo de Chuva”, o loop é do Portishead. Você gosta de trip hop? O que anda ouvindo atualmente?
Crônica Mendes: Sim, sim. Na música “Brinquedo Assassino” também tem sample do Portishead. Gosto de trazer essas influências para dentro da música rap, creio que se ficarmos só ouvindo rap, não faremos nada de novo, vamos ficar nos repetindo o tempo todo. Gosto de trip hop e, além dos que já citamos, tem também a UNKLE, Morcheeba, entre outros que ouço, mas deixo no cofre (risos). Atualmente sigo ouvindo Kayne West, muito trip hop, Lorde, Pharrell Williams, Daft Punk, Pink Floyd, R.E.M, Belchior, Drake, Eminem, Flobots, Mos Def, Cypress Hill. Estou como sempre ouvindo muita música e sempre sem me importar com os estilos.

Bocada Forte: Como está a produção musical do rap atualmente?
Crônica Mendes: Na minha ótica vejo um futuro bom, mas precisamos nos atentar não só nas batidas, as melodias são importantes também. O bacana da produção musical é o estudo, é a busca de influências de fora do hip-hop. Brigamos muito, isso até hoje, para que o rap nacional seja tratado como música, então nós que o fazemos devemos ser os primeiros a tratá-lo como tal.

Bocada Forte: Sempre que peço para um artista apontar quais são os MCs, DJs e grupos que merecem atenção, ele apresenta seus amigos. Poderia falar sobre os artistas que acha relevantes e que não estão em seu círculo amizade?
Crônica Mendes: Além dos grupos que fazem isso, tem muitos veículos que só noticiam os mesmos do tal ciclo de amizade também, além daqueles que só falam dos ponta de lança, né!? Sempre recebo músicas pela internet através do Facebook, e-mail e redes sociais, e sempre tem música boa precisando de atenção. Taí um exemplo que é o Frick ZN, Conexão Paulista, Função Original, AFAL, Inspirados, DJ Da Goma, Perbony, Pertnaz, Versão Original, DJ Dona, Markão Aborígene, Frois. Irmão é muita gente na luta buscando seu lugar ao sol.

Bocada Forte: Você fala das agruras e belezas das periferias do ponto de vista de um ser consciente, se afastando do discurso que tem o crime como referência, seja para o bem ou para o mal. O crime ainda seduz parte da juventude periférica? O que o rap já fez e pode fazer para mudar essa realidade?
Crônica Mendes: O sucesso do crime se dá pelo descaso do Estado para com nossa gente, não vou dizer que o crime é o culpado de todo mau nas periferias, não estou aqui defendendo o crime também, mas vejamos, a periferia está sempre na linha de fogo, um vitorioso de quebra é orgulho para uma quebrada inteira, por que crescer num lugar excomungado, esquecido pelo Estado, e ainda sim vencer, é um tapa na cara de toda essa sociedade hipócrita. Este discurso parece antigo, mas é muito atual, estão exterminando nossa gente nas periferias de São Paulo, isso por que estamos crescendo, escrevendo nossa história, estamos aprendendo a debater e buscar com o que é nosso, estamos aprendendo a lutar pelos nossos sonhos, e isso incomoda muita gente. O rap está junto com essa luta, e há quem diga o contrário, mas não se engane, o rap continua vivo dentro das periferias ao lado do povo, tem muito rap sofrendo junto com o povo também, lutando, embalando reivindicações. O rap deve informar nossa gente, nossa juventude, mas com ausência do Estado, e o pior, não só ausência mas lutando contra nós, a luta fica mais intensa, mas gostamos desta luta desde criança.

Bocada Forte: Na música “Tinindo” você diz: “meu rap é de combate”. Você combate o que? Com os caminhos que o rap está seguindo, seu combate também se dá dentro do hip-hop?
Crônica Mendes: Não combato irmãos de palco, isso jamais, não vou fortalecer o inimigo. Meu rap é combate contra a violência que atira contra a gente, contra o mau político, o mau policial, não combato artista porque o povo não precisa de artista como líder, o povo deve ser sua própria liderança, não deve aceitar rédeas de ninguém. O hip-hop é um instrumento de transformação pro bem, mesmo que essa transformação passe pela guerra.

Bocade Forte: Qual sua opinião sobre a mensagem do pancadão misógino e o funk ostentação? São manifestações populares, mas qual o tamanho da dose de contribuição para a manutenção da desigualdade estes sons representam?
Crônica Mendes: O Brasil é um país multi-cultural, o Brasil é periferia. O rap já cantou os sonhos de toda uma geração, e hoje estes estilos que você citou cantam a ambição. Claro que a periferia quer ter dinheiro, carro, joias, mas e o caminho pra isso qual é? Na minha opinião eles só trabalham o lado ruim da ambição humana. Acho deselegante a forma que eles tratam a mulher, assim como o axé fazia, mas o pior é ver mulheres se divertindo com isso, então não adianta eu me preocupar com isso se elas não estão nem aí, digo isso sem generalizar. Sempre vamos ter inimigos, o rap tem este karma, não importa de onde venham estes inimigos, mas é triste saber que alguns vem de dentro das periferias, parece até natural. Uma das coisas que pouco se fala neste tema, é que existem funks bom também, pesquisem a APAFUNK do Rio de Janeiro, eles fazem um trabalho incrível. Volto a dizer – o poder de colocar alguém lá em cima é do público, ele escolhe quem vai ouvir, ele tem o poder, não podemos aceitar aquela tática nazista de que uma mentira contada mil vezes acaba se tornando verdade. Não podemos aceitar isso.

IMG2Bocada Forte: E os rolezinhos? Tem uma opinião formada ou em formação?
Crônica Mendes: Faço meus roles desde sempre, ninguém nunca politizou isso, e olha que nunca fomos poucos, mas sempre ficamos de olho nos infiltrados. O que este rolezinho dito hoje parece uma válvula de escape pra movimentos serem pautados, ora parece legítimo, mas em todo caso o direito de ir e vir das pessoas deve ser respeitado. Sou contra a repressão policial em toda estância.

Bocada Forte: O rap poderia ser mais contundente no combate a homofobia?
Crônica Mendes: Claro, taí um tema a ser abordado nas letras, quero fazer uma sobre isso. Sou a favor de toda forma de amar. O rap luta contra o preconceito, então não podemos ser preconceituosos, nem com o pancadão, que no caso a minha preocupação não é com o estilo, e sim coma forma que eles tratam as ambições das pessoas. Falar da homofobia é preciso, o rap é um braço forte na informação do nosso povo, e precisamos abrir este debate, e detalhe: pra isso precisamos entender melhor o sentimento, a pessoa, e acima de tudo aprender a respeitar as diferenças. E no meio disso tudo, periferia, tem as igrejas, os radicais, a intolerância, é bem complicado mas é preciso abraçar esta causa.

Bocada Forte: O que acha da influência das religiões cristãs nas decisões do Congresso Nacional?
Crônica Mendes: As religiões sempre comandaram o Brasil, desde a época do senhor feudal, passando pelo senhor Sarney e agora com felicianos. É tipo assim – quem detém o temor do povo pilota a situação. Acho ruim misturar política com religião, essa história de ter um deus mandando lá no céu e outros aqui na terra é bem capitalista. Se você não agir conforme o pastor disse, o padre, o ministro, o bispo, o apóstolo, você vai pro inferno. Poxa, quem não tem medo de ir pro inferno? (risos). Aí você junta este medo do povo com o mando dos religiosos que pilotam a política no país, pronto você manobra a mente de quem está amordaçado por este tipo de “fé”, fé torta, com isso você ganha o direito de mandar e com aval do supremo, com perdão do trocadilho.

Bocada Forte: Existe a possibilidade de ouvirmos um disco do Crônica Mendes que não tenha a temática política em seu DNA?
Crônica Mendes: Um disco não, mas algumas músicas sim. Isso você já pode conferir no meu álbum “Até onde o coração pode chegar”. Não escolho a temática política, ela é algo natural que surge quando estou compondo. Fruto do que leio, das conversas que tenho com pessoas, do que vivo, dos lugares onde vou. Eu canto, componho sobre a periferia em todos os seus estados, desde o emocional ao critico, do entretenimento a revolta. Volto a dizer o artista tem que ser versátil, e nós do rap somos artistas sim, fazemos arte, uma das mais belas artes. Temos que estar nas periferias, nas favelas sim, mas também temos que estar nos grandes centros, nas grandes casas de shows, mas isso tudo deve acontecer como extensão e não como abandono, não é regra, é o que eu penso.

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Opinião: A crise do verbo

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Por: Fábio Emecê

O verbo nos localiza diante do mundo. Aponta direções, define ações, orienta decisões. As palavras combinadas produzem efeitos que nos mostram se vale a pena ou não ter determinado tipo de atitude.

O nosso cotidiano torna o uso do verbo banal e a interpretação do mesmo passa tão batido, mais tão batido que o oferecido quase sempre não condiz com a necessidade real, porém não se dá a devida importância e quem oferece passa impune.

Existem aqueles que manipulam o verbo com consciência e usam essa manipulação para transmitir conhecimento, ligar pessoas ou manter uma tradição. O que chamamos de oralidade, pra alguns se torna tecido, porque é uma vida sendo costurada e a linha básica é o verbo.

Verbo que conecta existências, interpreta vivências, mantém confluências e faz até mesmo não repetir condutas que representam eliminação de pares. A oralidade representa uma história, um ligamento, um propósito, pois justamente coloca vivos elementos das comunidades.

O Rap é um elemento artístico, cuja sua fonte principal é a oralidade, a capacidade de um mc tem de articular o verbo e se comunicar com uma comunidade. Entender basicamente isso seria essencial para quem se arrisca a exercer esse elemento da cultura Hip Hop.

Pois bem, se existe uma comunicação com uma comunidade, se espera pelo menos um entendimento de vivência das pessoas nas quais se comunica e também se entender o quanto importante é a comunicação por justamente se ajudar a manter uma história, um ligamento diante do que chamamos de social.

A oralidade na qual somos herdeiros, basicamente foi usada para sobrevivência e resistência de um sistema opressor. A trama verbal foi usada para planejar levantes, fugas, contato com a divindade e entendimento de uma espiral que contém passado, presente e futuro. O passado como fonte, o presente como identidade e o futuro como apontamento.

Diante disso, o que é falado, fica, e o que fica é transmitido. Sabe-se de onde você veio, o que você é e o que você quer. O verbo é certeiro e sem massagem. Não tem como burla-lo ou engana-lo. O rap não é um elemento em que se engana o verbo, é um elemento artístico de reverência do mesmo e uma ferramenta de orientação da comunidade.

Fazemos parte de uma comunidade em que o verbo é fundamental. Fazemos parte de uma comunidade que entende a cultura Hip Hop como fundamento e o rap como elo comunicativo. Quem faz rap pode falar mesmo o que quer? Se pode, o que você quer como fonte, como identidade, como apontamento?

O verbo está em crise, porque ainda tem aqueles que ignoram sua potência, mesmo fazendo rap… Droga!

Ghostface Killah, ‘Love Don’t Live Here No More’

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Ouça o novo som do rapper GHOSTFACE KILLAH (Wu-Tang Clan), “Love don’t live here no more“. O som, que faz parte do álbum “36 Seasons“, vem com participação especial de Kandace Springs e sai pelo selo Tommy Boy.

Novos Samples: Rimático lança videoclipe

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Extraído da mixtape ‘Origens (A fonte inesgotável de inspiração)’, o videoclipe da música  ‘Bem-vindo a minha SP‘, faz parte do novo projeto do rapper RIMÁTICO, artista que faz uma correria com PMC, DJ Dehco e Suave, do grupo Jigaboo.

Seu disco anterior foi lançado em 2012, o EP ‘Oxigênio Limitado’, em parceria com o projeto de música eletrônica Synthetic Fusion. Em 2002, Rimático foi premiado Festival Canta Febem. Já no ano de 2006, o rapper formou a Riffunk, uma banda de nu metal.

» Visite o site do projeto Oxigênio Limitado

Single: ‘CBx Problema’, Diego 157

“Salve geral! Como combinado, segue a segunda faixa do projeto #AntesDaMixtape intitulada ‘CBx Problema‘ onde rimo com meus irmãos de quebrada Sets (NPN) e Brown Santana. São três visões da redoma que carrega o nome de Cidade Baixa e de suas problemáticas que aqui foram transformadas em versos indigestos por quem vive a CBx. Boa audição!”

Assim DIEGO 157, um dos melhores beatmakers do país anunciou seu mais novo trabalho no Facebook . O estado da Bahia continua mostrando que seu hip hop fincou sua bandeira na cena nacional.

Lançamento: “Circo dos motivos”, Ramonzin

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Soul, groove, pancadão e jazz são as atrações do picadeiro do MC, beatmaker e trompetista RAMONZIN. Do início da vida no freestyle em 1999, passando por suas experiências sonoras com Monumento In verso, em 2004, Ramonzin traz sua rima marcante e cadenciada numa produção serena, concisa.

Discutindo razões, contradições, seduções e culpas em “Circo dos Motivos”, seu primeiro disco, o MC alterna agressividade e leveza com participações de Xará, Shadow, HenRick Fuentes, Tubaína, Nina Black, Shaw, Karla da Silva, Patrícia Resende, entre outros. Vale a pena a audição!

Videoclipe: Fino Du Rap, ‘Roda Viva’

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Com participação de Eduardo Brechó, da banda Aláfia, FINO DU RAP mostra sua poesia no vídeo ‘Roda Viva‘, clipe gravado no primeiro semestre de 2014, durante a 40ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires. O rapper está preparando novo trabalho no Estúdio BF, do site Bocada Forte, em parceria com o Espaço Comunidade, núcleo cultural da zona sul de São Paulo.