#Documentário
Com direção de ARTHUR MOURA e produção da 202 FILMES, o documentário “O SOM DO TEMPO“, que começou a ser produzido em 2009, conta 18 anos de história do rap no Rio de Janeiro, através de imagens históricas e depoimentos de mais de 70 personagens. O crescimento da música rap, as rodas de rima, os videoclipes, questões de gênero, negritude, a história da cultura hip hop, beatmakers e produtores, grupos e MCs formam a narrativa do filme. A previsão de lançamento do longa é para o mês de novembro.

A gente trocou uma ideia com o diretor, Arthur Moura. Confira:

Bocada Forte: O quão difícil foi realizar este registro em filme da história do rap no Rio de Janeiro?
Arthur Moura: As dificuldades estão em vários níveis. Primeiro: ter acesso a um conhecimento básico de cinema no que se refere às técnicas e práticas e ao conteúdo teórico. Em segundo lugar, claro, as condições materiais necessárias para se produzir um filme. O discurso da democratização do uso das novas tecnologias me soa um tanto falso. A questão ainda é pensar: quem tem acesso? E que cinema faz este segmento que tem acesso? Produzir um filme é custoso e requer tempo e uma pequena elite faz cinema no Brasil e têm acesso aos meios de distribuição. Isso dificulta que nós mesmos contemos a história a partir das nossas pautas e leituras sobre a realidade. É claro que isso não quer dizer que não existam segmentos e circuitos que formam suas próprias redes e métodos de produção de forma alternativa ao grande mercado.

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O diretor Arthur Moura

No caso d´O Som do Tempo, preciso antes me remeter ao meu primeiro longa-metragem “De Repente: poetas de rua”, que filmei de 2004 a 2009 passando por dificuldades muito próximas a que passei para produzir o novo. O Poetas é um filme que retratou o início de uma cena que se concentrava mais especificamente na Lapa, portanto, foi muito mais barato. O Som do Tempo eu filmei em Niterói, Zona Sul do Rio, Norte, Baixada, São Gonçalo, Volta Redonda, enfim, muitos lugares. A história do rap no Rio está sendo contada pelo cinema documental e isso é muito importante para todos nós que queremos refletir sobre tudo isso. É um primeiro passo que estamos dando. Alguns personagens eu registrei, por exemplo, em 2009, 2011 e 2016.

Mas afinal, como eu fiz estes dois filmes? Basicamente com alguns recursos próprios e outros de pequenos apoiadores como Felipe Xavier que fortaleceu em alguns equipamentos. E, claro, de camaradas que se aproximaram com o intuito de fortalecer no que for preciso. Agora estamos trabalhando em quatro: eu, Gabriel Moreno (Direção de produção), Ana Studart e Gerard Miranda como produtoras associadas. Nossa questão no momento é: como distribuir o filme?

Bocada Forte: O Brasil carece de história. Do entendimento de sua história. O que dirá então da história da cultura hip hop. Será possível que um dia possamos realizar um registro, como este sobre o rap do RJ, em nível nacional?
Arthur Moura: Primeiro temos que compreender que a leitura dos processos históricos são construídos fundamentalmente por instituições ou corporações hegemônicas obviamente ligadas a interesses privados. A ideia de nação, por exemplo, é basicamente uma ideologia que busca anular as diferenças de classe. Tudo isso é amarrado pela jurisdição burguesa, que diz que somos todos cidadãos e iguais ou que nos faz crer que a polícia de fato defende os interesses dos cidadãos ou o bem geral. Ora, a luta travada diariamente entre os segmentos antagônicos na sociedade demonstra justamente o contrário. E aí entra o rap, ou todo o conjunto da cultura hip hop. O rap tem um compromisso social. Não está, portanto, descolado da realidade material em que vive. Aliás, ele é fruto de problemas crônicos da classe trabalhadora, neste caso principalmente os negros. Rafael Lopes de Sousa contou essa história em seu livro A Anti-cordialidade da República dos Manos, mais especificamente em São Paulo. Eis o que diz: “se o lado ‘nobre da cidade’ elegeu as suas prioridades e identificou o pobre como suspeito preferencial, com o surgimento do rap os pobres vão, igualmente, inventariar muitos motivos para colocar a vida dos boys em suspeição. Cria-se, assim, uma situação de desconfiança mútua que, para os rappers, foi estabelecida pelo preconceito das elites e mascarada pelos apelos de entendimento e harmonia social da ‘democracia racial.'”

IMG3O problema é que essa história deixou de ser uma prioridade pela hegemonia do rap atual. Uma boa parte dos grupos, DJs, MCs preferiu a miséria do mercado ao seu caráter de enfrentamento contra a ordem e, claro, na exposição de contradições que a burguesia tanto põe seus panos em cima. O rap se tornou conciliatório, diplomático, flexível, muito próximo aos velhos reformistas. Nesse sentido, a história está em disputa. Não podemos deixar de pensar as resistências e das formas que se dão. Há segmentos no Rio que pensam o resgate da questão do negro ou as contradições de classe apontando para um objetivo específico de emancipação. Mas estão em desvantagem com relação aos grupos-empresa. Os empresários do rap constroem suas imagens a partir da sedução e não do pensamento reflexivo crítico e nisso a história se perde e vai se construindo de forma espetaculosa.

Sobre a possibilidade de se produzir um grande filme a nível “nacional” penso que somente de forma coletiva. A questão é que o rap cresceu tanto que dificilmente conseguiríamos produzir somente um filme. Isso é trabalho para muitos filmes.

Ficha técnica:
Direção: Arthur Moura. Fotografia e Montagem: Arthur Moura. Roteiro: Arthur Moura e Gabriel Moreno. Diretor de Produção: Gabriel Moreno. Arte Gráfica: Leandro Rezende. Pós-Produção: Ana Studart. Câmeras Auxiliares: João Paulo de Faria e Felipe Xavier. Imagens de Arquivo: Emílio Domingos e Gerard Miranda. Uma produção: 202 Filmes.

Confira o trailer do longa:

Publicado por Noise D

Natural de Porto Alegre/RS, Noise D é colaborador do Bocada Forte desde 2001. Designer, Editor e Social Media do BF, tem formação em Comunicação Social.

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