Angela Davis, 1974.
Angela Davis, 1974.

Por Nerie Bento.

Moro no litoral norte e, recentemente, mulheres de Ubatuba criaram uma petição para que a Prefeitura cancele o show de um cantor sertanejo nas festas de fim de ano. A campanha é contra o conteúdo misógino, sexista e objetificador nas letras dele.

Se trouxermos isto para o rap, pode engavetar 80% dos caras. Dos anos 90 pra cá, algumas coisas mudaram sim, alguns grupos do estilo gangsta começaram a ponderar ao falar da mulher nas suas músicas, mas não foi os caras que pararam de criar este tipo de letra, foram as mulheres que começaram a questionar e eles tiveram que repensar este caminho.

Há muito que se repensar, as letras são só uma parte de toda estrutura, mas é importante discutirmos isto. Não podemos perpetuar a misoginia em letras de rap e isto não deve ser apontado somente por mulheres, os homens precisam se incomodar também. Trabalho com um MC . Em toda letra que ele escreve, ele me manda para que eu analise se tem algum trecho que agrida ou silencie alguém. Ele fala de amor, de relações. Sabe que se fizer um clipe com umas mulheres rebolando vai vender, mas não é o que ele acredita.

Letra é palavra e toda palavra tem poder, não é só uma música, é um discurso. Nossas percepções de mundo surgem a partir da troca de informação, sendo ela visual ou auditiva. Um MC precisa ter isto em mente, quando ele incita a violência contra a mulher em suas músicas, chama de cadela ou as colocam de forma objetificada, ele está armazenando esta informação no cérebro de quem ouve. Esta atitude que se manifesta de forma continua é nociva, é uma violência em forma de música.

O rap não deveria estar envolvido nisso, não deveria permitir. Ele foi criado para lutar contra as injustiças e, se tem algo injusto neste mundo, é a violência contra a mulher.

Publicado por Portal Bocada Forte

Pioneiro no Brasil, fundado em 1999, o BF tem como foco o original hip hop brasileiro e internacional, com ênfase na cena alternativa.

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