A maneira como conhecemos determinado grupo pode ficar marcada em nossas mentes por bastante tempo. Esse é o caso do grupo KEMET (KMT), que conheci durante uma apresentação na Ocupação São João, no lançamento do livro Muito Como Um Rei, de Fábio Mandingo. Os caras faziam um rap realmente negro e traziam beats no clima underground dos 90. Os sons que rolaram são  parte do EP Terra de Pretos.

A militância dos negros, a luta por moradia e o intercâmbio cultural que rolou no evento deixaram aquela impressão de que não estamos sós, e o hip hop político continua criando raízes e cativando os mais jovens.

Quase seis meses mais tarde, trombei com os manos Tiago Onidaru e Pedro Nubi, do KMT, pra trocar algumas ideias sobre rap, cultura e racismo. Já no início da conversa, quis saber quais foram os motivos para permanecerem na militância numa época que privilegia o não pensar. “Somos frutos da geração dos 90, do que a gente ouviu nos 90. Essa estética nos ajudou a definir quem somos. A música tem muito poder, não vamos falar nada apenas por falar”, disseram. “ A gente viveu os anos 90, o discurso do rap não era vazio. A parada não era maldita como é hoje. Naquela época, se você não viesse com um rap politizado, seria criticado”.

Aproveitando a deixa, pedi pra falarem sobre o conservadorismo no rap. “Não sabemos se esse discurso apolítico e conservador do rap atual vai durar muito tempo, sabe? Artistas novos aqui no Brasil e na gringa estão vindo com um rap diferente. Principalmente na gringa, pois isso influencia muito o rap que é feito aqui. Depois que o Kendrick Lamar fez raps falando sobre a questão racial lá dos EUA, muitos artistas daqui também começaram a falar. O discurso militante e negro está sendo ampliado. Essa é a impressão que temos. Não sei se vai durar, se vai virar, mas o disco do Emicida é uma porrada nessa questão.

Também sabemos que é difícil conjugar visão política com o mundo do entretenimento. Sempre foi complicado, de certa forma, todo discurso que entra na mídia acaba sendo diluído. Pra uma geração que coloca visualizações e alcance como princípios, fica difícil escolher um discurso político. Mas também temos a impressão que na gringa os caras falam sobre questão racial e ganham dinheiro do mesmo jeito, sabe?”

Quando o assuntos são apropriação cultural e racismo reverso, Onidaru e Nubi mandam o papo reto. “Se for perguntar sobre a São Bento pra muitos caras do rap, eles não vão saber responder, pois não têm nenhuma ligação com a tradição do hip hop daqui. É uma piada alguém falar de racismo reverso e preconceito, como aquele cara que fez um clipe com black face. A gente vivendo o que viveu e lutando hoje em dia pra conseguir um ‘corre’, pra gravar, ou pra conquistar os bagulhos da nossa vida além do rap, aí vem o mano branco falar de preconceito…isso é uma piada. O principal é que pessoas assim não têm conexão nenhuma com o passado. Nossa cultura nunca foi de segregar. Não somos nós que sempre segregamos. Só não podemos dar a chave da nossa casa, deixar os caras entrarem e dizer: faz a festa aí. Quando esses caras ganham projeção…começam com essas ideias que a luta negra não tem nada a ver, que o negócio é festa. Coisas semelhantes fizeram com o samba, o jazz, com o rock, a capoeira…”

A postura dos artistas negros também foi abordada pelos integrantes do KMT. “Os negros artistas e os que estão na política precisam ter posicionamento. Esperar atitude e compadecimento da elite branca não vai rolar”.

O KMT acabou de lançar o single “Celebração”, canção que fala de força, negritude e autoestima num beat cheio brasilidade. Tiago Onidaru e Pedro Nubi também preparam o lançamentod e um videoclipe. Os MCs estão arrecadando fundos para o projeto. Um disco novo vem aí. É esperar. Ideia pra trocar os caras têm.

Publicado por Portal Bocada Forte

Pioneiro no Brasil, fundado em 1999, o BF tem como foco o original hip hop brasileiro e internacional, com ênfase na cena alternativa.

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