4Dez anos depois, um dos grupos mais influentes do Brasil volta à cena para dar continuidade aos trabalhos e fazer do Rap ainda maior

Por Yara Morais

Desde muito criança eu quis ser músico. Porque a música sempre esteve presente na minha família. Lembro que por volta dos 6 anos, minha mãe, preparando comida na pia e no fogão, cantava Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Martinho da Vila, Beth Carvalho, enquanto eu batucava na mesa”.

Essa lembrança, vinda da memória de alguém que faz parte de um dos maiores grupos de rap do Brasil e da América Latina, foi escolhida para dar início não só ao texto que vocês lerão a partir de agora, mas, também, para estimular a mente do senhor, caro leitor, à respeito das diversas vertentes desse gênero. Bom, mas isso é papo pra outra hora. O fato, é que os caras que serão descritos nessas simples linhas são mais do que rappers. Eles levantaram uma bandeira em prol do social e, isso, foi construído em meio a muito trabalho e respeito. Desde 1989 na cena, eles marcaram o país com letras fortes e impactantes, capazes de fazer o que outro grupo muito respeitado, de nome Racionais MC’s, cita em uma de suas músicas, – “sabotar seu raciocínio, abalar o seu sistema nervoso e sanguíneo“.

Ladies and gentlemen, estou falando da Rapaziada da Zona Oeste, dos manos do RZO. Responsáveis por sucessos como ‘’Real periferia’’, ‘’O Rap do Trem’’, ‘’Pirituba’’ e tantas outras letras marcantes, eles estão de volta. Sim, assim como na música, o som deles não é um rap qualquer, a sigla retornou, está de pé! E agora ainda mais firme, fortes e unidos. Dez anos depois, e por amor aos fãs, a ‘’Diva’’, o ‘’Vilão dos Toca-discos’’, o ‘’Majestade’’ e o ‘’Presidente’’, entram novamente em seus alto-falantes para mostrar o quanto o Rap nacional e o momento atual do Brasil (e isso inclui política, educação e diversos outros aspectos sociais) precisavam dessa volta.

É difícil descrever o RZO em palavras. Sinceramente, acredito que o som deles diz mais do que essas linhas, pelas quais vocês passam os olhos nesse momento. No entanto, entre batidas, palavras e mais palavras, o grupo conseguiu firmar-se como representante do povo. Representante das comunidades, das ruas, dos becos, das vielas, e, daqueles que estão excluídos por grades e celas. A propósito, isso cai muito bem com um comentário que Sandrão fez, ao falar do seu rap, o seu começo, antes mesmo do RZO, – ‘’Com 15 anos, já tinha meu próprio Rap gangster feito em cima de uma música; um cântico de samba que só rolava nos fundos de celas da antiga Febem (sic)”. Sandrão, o Majestade, é um dos fundadores do RZO e uma das mentes mais brilhantes, não só do Rap, mas como da música brasileira no geral. Aos 16 anos, ele conheceu Helião, seu parceiro e amigo na vida e nos palcos, e então, como ele próprio disse, com um rádio de pilha e fita cassete, os dois trilhavam o caminho dos shows, escrevendo o início daquele que seria uma das maiores vozes da periferia, – o RZO.

Helião, o Presidente, é ícone. Seus anos de estrada, somados a trabalhos brilhantes, fizeram com que mesmo depois da separação do grupo em 2004, ele se mantivesse entre os nomes mais populares do gênero. Do rock ao samba, Helião tem experiência na música como ninguém. Dono de um timbre inconfundível, ele conta com detalhes que em 1983 ouviu ‘’A Melô do Bastião’’, de Mike, Pepeu e DJ Bacana e, que aquilo foi o ‘’mapa da mina’’ na sua vida. Foi naquele momento que Helião, que já era afiado para as composições, começou a escrever seus primeiros Raps. As bases instrumentais vinham da ‘’Galeria 24 de Maio’’ e foram importantíssimas para a evolução e desenvolvimento desse cara. Para o Presidente, há muita diferença da primeira formação do grupo à atual. ‘’O Rap hoje, além de ser forma de expressão, também é música. E eu, eu aprendi com pessoas que entendem muito de música, como, por exemplo, o Zeca Do Cavaco (Escola De Samba Vai-Vai), Ronaldinho (Fundo De Quintal), Daniel Ganjaman, Davi Corcos, um power trio formado por Jucy Melodi, Dan Levadas e Willian Batida, Racionais Mc’s, Banda Black Rio, Lino Krizz, Leandro Lehart, além do meu grupo RZO, pois nunca perdemos o contato nesses 10 anos”, conta o rapper que, junto à Sandrão foi o responsável por apresentar ao Brasil nomes como Sabotage, o eterno e incomparável ‘’Maestro do Canão’’ e, Negra Li, uma das maiores vozes da black music de todos os tempos.

2Negra Li que, a propósito, se integrou ao Rap aos 16 anos através do convite de um amigo, ainda na época da escola. E foi através dos shows que fazia com o grupo desse amigo que ela conheceu o RZO e, recebeu o convite para uma gravação. A cantora conta que o pedido dos fãs nas redes sociais e a saudade de unir os companheiros outra vez foi o que mais pesou para a volta do grupo. Para ela, durante esse tempo, todos os integrantes adquiriram grandes experiências na música e, grandes mudanças na vida pessoal. ‘’Eu, por exemplo, era uma menina. Hoje sou uma mulher, esposa e mãe. Fiz muitas participações em gêneros musicais diferentes. Fazer shows solo me dá cada vez mais intimidade com o palco e, desenvoltura para me comunicar com o público.

Liliane é diva. Como Negra Li ou como Liliane, ela é diva. Conquistou seu espaço no Rap com uma caminhada de muito suor e responsabilidade. Ela mesma diz que o espaço que as mulheres têm no Rap é delas por direito. Algo conquistado com raça e vontade de fazer aquilo que ama com liberdade e igualdade. Mas, depois de apresentações e mais apresentações, posso dizer que a história desse ‘’RZO velho de guerra’’, não seria a mesma se não existisse um vilão. Isso mesmo, um vilão. Nesse caso um vilão chamado Jeferson, rapaz da Zona Oeste. Carapicuíba, para ser mais precisa. Não conhece? Jeferson é nada mais nada menos do que DJ Cia, o ‘’Vilão dos Toca-discos’’, o cara que faz a batida perfeita, que risca, rabisca e encanta.

Cia começou a fazer parte do Rap em 1995 quando fez parte de um grupo chamado Flash Rap Gang. As apresentações? Elas eram feitas em pequenos shows, festas, quermesses e bailes. A grande influência de DJ Cia veio de dentro de casa. Seu pai, o DJ Alemão é seu maior ídolo e grande incentivador. Daniela Mercury, Caetano Veloso, Elza Soares, Seu Jorge e Ana Carolina são alguns dos nomes com os quais o DJ já trabalhou. Além disso, ele fez turnês solo por todo o Brasil e pelo exterior. Ao ser perguntado sobre a volta do RZO, Cia disse que a saudade estava pesando. Saudade dos palcos, dos shows com o grupo, e de ver as pessoas cantando. Ele lembra que foi emocionante ver a multidão indo curtir o grupo na Virada Cultural, em pleno domingo, ao meio dia. ‘’Foi como esfregar na cara um, – estamos esperando vocês’’. Assim como os companheiros de grupo, DJ Cia lembrou que outro fator fundamental para o retorno após de anos separados, foram os fãs.

E eu vos pergunto, quem de vocês não esperou ansiosamente por esse retorno? Quem aí, por muitas e muitas vezes não estava indo sentido Osasco ou Itapevi, do Brás à Mogi ou Tamanduateí e, passava um clipe na memória, o clipe do ‘’Rap do Trem’’?! O RZO deixou saudades há 10 anos. Não das músicas, porque suas obras são impagáveis e mesmo com a separação, elas continuaram marcando a vida das pessoas e transformando olhares, dos antigos aos novos fãs. Mas sim, saudade de ver Sandrão, Helião, Negra Li e DJ Cia outra vez juntos. Saudade daquela Rapaziada da Zona Oeste que conseguiu mostrar ao menino da periferia livros em canções, versos em poesias.

É, meus amigos, muitos aprenderam com as linhas pulsantes das canções do RZO que as ruas são para quem tem respeito, e pra isso, esse conhecimento nunca precisou ser adquirido em nenhum livro de Jorge Amado que contava a estória dos moleques em situação de rua, pois, quem ouviu RZO nos anos 90, ouvia a história, a estatística nua e crua. RZO voltou. Preciso, afiado, dinâmico. E pra mostrar que o Rap é uma mistura de diversos ritmos. RZO voltou e, junto com ele, a lembrança de Helião citada na introdução desse texto. Mal sabia sua mãe, que a melhor coisa que ela poderia ter feito por nós, era realmente ter colocado seu filho pra ouvir tantos ícones. Mal sabia ela que seu filho seria porta-voz de tanta gente. À ela, o meu muito obrigado.

Junto à essa reportagem, você pode conferir a entrevista feita com cada um dos integrantes do RZO! Clique nas fotos abaixo e veja as ideias de Helião, Sandrão, Negra Li e DJ Cia.
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“O Rap hoje, além de ainda ser forma de expressão, também é música e eu compartilhei e aprendi com pessoas que entendem muito de música, como por exemplo, o Zeca Do Cavaco (Escola De Samba Vai-Vai), Ronaldinho (Fundo De Quintal), Daniel Ganjaman, Davi Corcos, um power trio formado por Jucy Melodi, Dan Levadas e Willian Batida, Racionais Mc’s, Banda Black Rio, Lino Krizz, Leandro Lehart, além do meu grupo RZO, pois nunca perdemos o contato nesses 10 anos.”

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SANDRÃO
“Acho que aprendemos muito no Hip Hop e, nossos amigos manos e minas de antes, são professores hoje. O movimento como um todo tem aprendido, temos um grande alicerce do Rap com novos cineastas, produtores e cantores. É uma estrutura de anos pra podermos começar a fazer algo realmente expressivo. Acredito nesses tempos como um todo no Brasil em geral.”

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“Acho que todos nós tivemos grandes experiências na música e grandes mudanças na vida pessoal. Eu, por exemplo, era uma menina. Hoje sou uma mulher, esposa e mãe. Fiz muitas participações em gêneros musicais diferentes. Fazer shows solo me dá cada vez mais intimidade com o palco e desenvoltura pra me comunicar com o público.”

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DJ CIA
“Eu vejo as coisas de uma forma mais profissional hoje em dia. Posso contar com uma série de coisas que antes não tínhamos, como, por exemplo, gente profissional trabalhando com o Rap nos shows. Digo profissional no sentido de respeitar o Rap. Antigamente não éramos respeitados, o som sempre era ruim, não davam atenção aos grupos de Rap. O Rap era sempre segundo ou terceiro plano em qualquer evento.”

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Publicado por Yara Morais

Jornalista. Pós-graduada em Ciência Política. Mãe do Yohann e fruto de Cuba.

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