Foto: Mike Colter, ator que interpreta um super herói na série norte americana Luke Cage da Netflix.
Foto: Mike Colter, ator que interpreta um super herói na série norte americana Luke Cage da Netflix.

Porque não temos tantas séries com atores e personagens negros no Brasil como temos nos Estados Unidos? Muitas séries norte-americanas andam fazendo sucesso no Brasil, principalmente através de plataformas como Netflix, entre elas Luke Cage, da Marvel; The Get Down e em muitas outras percebemos a presença de atrizes e atores afro-americanos protagonizando papéis principais, tanto em séries como em filmes. Podemos falar de outras séries antigas, como os clássicos Todo Mundo Odeia o Chris, Um Maluco no Pedaço, Eu, a Patroa e as Crianças, dentre outras, que fizeram muito sucesso aqui no Brasil. Todas elas tem em comum o fato de que a história se passava em torno de famílias compostas por afro-americanos.

“Mano, eu acredito que seja falta de interesse das produtoras de filmes ou séries. A não ser que seja algo sexual, no estilo Carandiru ou Cidade de Deus. Eles nem tem interesse e também tem uma fita mano… Lá no EUA tem uma parada chamada ‘black money’. Geralmente estas séries são financiadas por empresários negros. Os irmãos Wayans é um exemplo.” Opina Anderson Hebreu, do site Noticiário Periférico.

Diretor norte-americano Spike Lee.
Diretor norte-americano Spike Lee.

Os irmãos Wayans são Shawn e Marlon Wayans, conhecidos por papéis nos filmes As Branquelas  e Vizinhança do Barulho, dentre outros trabalhos, além de trabalharem como produtores de filmes e roteiristas. Grande parte de suas produções envolvem atores e atrizes afro-americanos em papéis principais. Não podemos esquecer de Spike Lee e de outros grandes nomes. “Black Money” (dinheiro negro) é um pensamento muito difundido entre os afro-americanos, onde a meta é fazer o dinheiro girar entre a própria comunidade negra americana, consumindo e produzindo produtos. Entretanto, existem algumas questões a serem ressaltadas com relação ao capitalismo norte-americano e a chamada inserção ao capital… Mesmo com toda produção afro-americana e o fato dos Estados Unidos ser uma potencia imperialista, ainda continua sendo um país excludente com a população negra nas questões sociais e econômicas, como pode ser visto na reportagem do portal El País.

“Vejo que os processos pós-abolição nos dois países tiveram reações diferentes com as heranças que a escravidão deixou e pá. Acredito que tudo isso se desenrolou por uma hegemonia econômica de poder. Os EUA detém uma hegemonia de produção cultural e artística muito grande, isso é reproduzido em diversos outros países, onde as pessoas através de uma socialização colonizadora, acabam vendo os EUA como um modelo a ser seguido. O Brasil é uma dessas colônias. A América Latina vive almejando viver o famoso ‘The American Dream’, e nas questões políticas étnicas-raciais não seria muito diferente. Nós olhamos daqui os preto de lá e estamos aprendendo o que precisa ser aprendido em relação a nós mesmos e a condição que a gente vive. Isso gera pressão popular, boicote, conscientização em massa. Isso dá uma assustada de leve no mercado, porque passa a ser uma possível ameaça a uma lógica excludente e opressora, tá ligado? E aí não tem muito o que fazer. Tudo que o capitalismo já não pode mais conter ou fazer com que não exista, ele coopta a sua lógica e aos seus moldes. A mesma fita rola nos EUA. Por outro lado, se inicia uma crença ilusória e bastante distante da realidade brasileira ou de qualquer país num modelo capitalista de produção: a ilusão da inserção no capital. No fundo, a gente sabe que uma inserção nos moldes capitalistas vai manter sua essência hierarquizada, violenta e excludente, mantendo o sangue da população negra como base de todo lucro. O Brasil tem aprendido muito com os EUA, em diversos campos e aspectos. No campo racial isso me alivia por uma perspectiva de luta e me amedronta por conta da questão colonial-imperialista, que é exercida pelos EUA nessas terras.” Diz Ibu Lucas, MC do grupo Projeto Preto.  

Além da potência tecnológica e econômica, os Estados Unidos detém também maior disseminação cultural pelo mundo, principalmente em países da América do Sul, fazendo com que seu ideal de sociedade seja exemplo a seguir. Porém, ainda continua sendo assustador o fato de um país como os Estados Unidos ter uma população negra muito inferior em números com relação ao Brasil e mesmo assim contar com tantas produções.

Lázaro Ramos e Taís Araujo.

“Porque não há financiamento e não é dada visibilidade? Quem tem o domínio dos meios? E claro, vão contar a história deles. Lá tem famílias pretas de classe média a tempos, cotas e por isso mais inserção no mercado”, diz Gabriela Reis, professora de história atuante em escola municipal na cidade de São Paulo.

“Lá se tem produção cinematográfica, recurso-incentivo (dinheiro), preocupação em se ter uma temática racial como pauta relevante (estrutura do próprio racismo), canal de disseminação e propagação, transmissão e audiência”, explica Flávio, MC do grupo Antiéticos.

A questão financeira é um grande problema no Brasil, onde os meios de disseminação cultural de massa são geridos em geral por homens brancos conservadores, que dessa forma elaboram trabalhos de acordo com sua ideologia e seus valores. A Rede Globo já produziu séries com atores negros. O grande e último exemplo foi Mister Brau, protagonizados por Taís Araujo e Lázaro Ramos. A própria Rede Globo tem um grande histórico envolvendo papéis de novelas a atores e atrizes afro-brasileiros. Conhecida por limitá-los a interpretar cenas relacionadas a escravidão ou interpretar personagens em cargos de serviços como empregadas, domésticas, pessoas envolvidas no crime, dentre outros esteriótipos, que a emissora dissemina com relação ao lugar que o negro ocupa na sociedade. A mesma emissora tem como diretor geral de jornalismo Ali Kamel, o mesmo que escreveu e lançou o livro Não Somos Racistas, em 2006, em que afirmava que não existia preconceito racial no Brasil e que movimentos anti-racistas podem provocar o ódio.

Racismo estrutural,  produtores, roteiristas e executivos brancos estão no comando, com brancas visões e brancas demandas, com um branco olhar sobre o negro. Nos EUA, as condições socioeconômicas proporcionaram a produção de programas feitos por negros e para negros. Negros fazem roteiros, bolam séries independentes. Com muita dificuldade no início, mostraram que suas demandas e negros olhares eram importantes e economicamente viáveis. A conscientização e a luta histórica por direitos civis foram fundamentais. Aqui o plano para nós foi diferente: um Estado racista que propõe o esquecimento e a diluição das nossas raízes.Jair Cortecertu, colaborador e colunista do portal Zona Suburbana.

Boa parte do poderio cinematográfico esta no poder do grupo parceiro da emissora, que tem um número de atores e atrizes negros muito inferior ao número de atores e atrizes brancos, assim como outras emissoras que trabalham novelas e séries como a Rede Record.

“Eu acho que boa parte disso se dá pelo mito da democracia racial, pela falta de espaço que os negros tem também na mídia brasileira ainda hoje, e também pela luta contra o racismo aqui ser, digamos, mais suave que lá”, fala Tati Ribeiro Nefertari, integrante da União dos Coletivos Pan-Africanista (UCPA).

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A atriz Viola Davis, atriz que interpreta uma advogada na série norte americana How To Get Away With Murder.

O fato é que não podemos comparar a realidade econômica e a história que o Estados Unidos e o Brasil tiveram. Porém, assim como aqui, nos Estados Unidos boa parte da produção cinematográfica esta nas mãos de pessoas brancas. Mas o contexto histórico e a organização de muitos movimentos durante décadas fez florescer em parte da população afro-americana o sentimento de pertencer a uma parcela da sociedade que é discriminada racial e culturalmente e que não teria nenhuma espaço no mercado cultural. Dessa forma, começou a organizar se e produzir filmes, séries, documentários, novelas que os representassem de acordo com a sua visão e que os colocassem como protagonistas de diversos papéis, desde gangster até super-herói, desde comediante, a advogada conceituada, acabando assim com esteriótipos.

A produção brasileira que mais se destaca nessa questão é justamente a produção feita de forma independente com coletivos e grupos que tem essa consciência. Muitas dessas produções são publicadas em canais como o Afro Flix, mas ainda há grandes barreiras a se quebrar, tanto financeiramente como culturalmente, para que tenhamos muitos atores e atrizes afro-brasileiros interpretando papéis que não se limitem apenas a esteriótipos. Barreiras maiores ainda terão que ser quebradas para que um dia possamos assistir muito mais séries que tenham alcance de massa, com famílias e atores protagonistas negros e negras.

Publicado por DJ Neew

Colaborador do Bocada Forte. É DJ, beatmaker, faz parte do coletivo Shuriken e do grupo Omnira.

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