Os blogueiros do hip hop

Segmento que trabalha diariamente na divulgação da cultura de rua também pode dizer que é o hip hop.

Por: DJ Cortecertu

Eles são de diferentes áreas do mercado de trabalho, mas a cultura de rua une suas ações. Diariamente, jovens de diferentes partes do país postam em seus blogs notas, entrevistas, lançamentos de vídeos e músicas que representam o caldeirão de ideias que é o hip hop brasileiro. De certa forma, a movimentação dos atuais blogueiros do hip hop tem semelhanças com o trabalho dos ativistas, comunicadores e programadores das rádios comunitárias dos anos 1990, período em que as grandes rádios viraram as costas para o gênero.

Outra característica que liga os comunicadores das duas épocas é o espírito “faça você mesmo”. Não importa se não são jornalistas ou profissionais formais da comunicação, todos sabem que a mídia tradicional não vai dar destaque ao que é produzido na base. Para eles, cada post é parte de uma missão.

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Site Rapevolusom

Anderson Garcia Lorde, morador da Cohab II Itaquera, é um dos ativistas que mesclam o trabalho nas rádios comunitárias com a presença na internet. O programa É Tudo Nosso, que passa pro reformulações, fala sobre seu trabalho: “Faço o possível para trazer os artistas que não têm lugar na grande mídia”, afirmar o programador.

Ao contrário dos esquemas e trocas comerciais conhecidas na indústria do entretenimento, os blogueiros afirmam que não fazem concessões para divulgar os trabalhos dos DJs, MCs e escritores, entre outros representantes do hip hop. “Mantemos nossa imparcialidade, quem julga são nossos leitores, não fazemos nenhum tipo de jabá, não cobramos para que seja divulgada música, festa, poesia. A informação só tem valor quando repassada. Sons de qualquer parte do mundo sempre terão espaço, afirma Douglas Abraão, editor do blog Zona Suburbana, na web desde 2011.

O acesso à tecnologia proporcionou um aumento no ritmo de lançamentos. Músicas e vídeos pipocam nas redes sociais a cada momento. Este fato também gerou o crescimento dos blogs. Na primeira década dos anos 2000, veículos como Real Hip Hop, Mundo da Rua, Bocada Forte, Rap Nacional e Rapevolusom, da primeira geração de blogueiros, passaram a dividir espaço com novas iniciativas dentro do movimento.

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Blog Macacos Me Mordam

BUSCA POR VALORIZAÇÃO

Hoje temos informações para todos os gostos, do sons mais politizados ao rap mais pop, passando por discussões sobre os rumos da cultura de rua. PerRaps e Vai Ser Rimando se destacam pela preocupação com a forma e a escrita. Os blogs Macacos Me Mordam e Rap Longa Vida trazem novidades mais periféricas. Mas uma coisa é unanimidade entre os blogueiros. Seus trabalhos não são devidamente reconhecidos na cena. “Diria que muitos artistas estão mais preocupados em mostrar que estão na grande mídia do que crescerem juntos com a mídia de nicho. Os que mais nos ajudam são os fãs do movimento”, comenta Anderson Morais, diretor do Rap Nacional Downloads, fundado em 2008 e um dos blogs mais populares do gênero.

Douglas Abraão dispara: “O hip-hop só será aceito na sociedade como cultura quando ele mesmo se aceitar. Quanto mais sites, blogs, revistas, rádios voltadas para nossa cultura maior será a visibilidade, outras mídias já preferem o monopólio.

 

MAIOR DIVERSIDADE

Quer baixar os últimos lançamentos ou conhecer a discografia de vários artistas do rap? Basta seguir o blog da Comunidade Rap Download. Se precisar saber mais sobre o rap de língua portuguesa ao redor do planeta, vá direto ao Noticiário Periférico. O Polifonia Periféria agrega conteúdo sobre hip hop, literatura, e tem notas a respeito do rap brasileiro e latino. Isto é só a ponta do iceberg. Muitas pessoas direcionam seus esforços de diferentes maneiras para divulgar o hip-hop e o rap aqui no Brasil. Dos mais sofisticados, passando pelos agregadores de conteúdo, até as páginas dedicadas ao movimento nas redes sociais, os blogueiros e colaboradores da nossa cultura merecem reconhecimento por tanta contribuição.

PAPO RETO

Um pedido aos artistas, produtores e militantes do hip hop e do rap: valorizem, divulguem, compartilhem as notas, entrevistas e reportagens que saem na mídia alternativa. É muito bom estar nos grandes veículos e sites mais descolados, principalmente se sua carreira decolou. O mercado diz que está certo só divulgar apenas os grandes, é sinal de ascensão. Mas o hip hop sempre ensinou que – mesmo sendo pequenos – existimos, somos a base.

Polifonia Periférica
Site Polifonia Periférica

BLOGOSFERA:

RapNacionaldownload.com
ZonaSuburbana.com.br
PerRaps.com
VaiSerrimando.com.br
RapLongaVida.com.br
BlogMacacosMeMordam.com
PolifoniaPeriferica.com.br
ComunidadeRapDownload.blogspot.com.br
Noticiario-periferico.com

2/11: Gegê Caos no Projeto Ecos Musicais

O Sesc Osasco convida para o Projeto Ecos Musicais o MC GEGÊ CAOS que realizará show no dia 02 de novembro às 16h45, justamente no mês em que se homenageia Zumbi dos Palmares e que se comemora a Consciência Negra em todo o país.

Apesar do projeto não ter relação com a data comemorativa, o destaque vai para o show do MC que apresentará faixas do disco “Di Gegê pra Jejês”, resultado do trabalho de sua pesquisa como historiador e que expõe através do rap (estilo Boombap) as consequências do processo escravocrata e da diáspora africana, que gerou uma população “estrangeira” (originalmente conhecida como povos Jejês). O álbum também expõe os reflexos gerados na sociedade brasileira que justificam a situação atual de uma população resistente ao tempo e as condições herdadas desde o período colonial do Brasil.

Nas pick-ups ERICK JAY, bi-campeão nacional da batalha de DJs e residente no Programa Manos e Minas da TV Cultura, e a participação de convidados como o MC Luiz Preto e MC TicoQDP.

Realização: Sesc Osasco | Produção: Tsika Cultural

Serviço:
Data: 02 de novembro de 2014
Horário: 16h45
Tempo de show: 60 minutos
Local: Av. Sport Club Corinthians Paulista, 1300 – Osasco
Produção: Tsika Cultural
Realização: Sesc Osasco

Single: ‘Nos corre’

#RapBRASILEIRO
Com produção de Ricardo Móck, VULGO INVASOR e RODRIGO NONATO, do DRAGÕES DE KOMODO, mandam seus versos na música ‘Nos corre’. O som – que fala  sobre conduta, humildade e tem os rappers de letras vazias na mira –  vai sair no disco do MC Vulgo Invasor.

Um prato cheio pra quem gosta de boombap rap e atitude.

Videoclipe: A286, ‘Insônia’

Sabe aquele estilo de rap que dizem estar no passado? Sabe aquela mensagem necessária que muitos querem arquivar e esquecer? Não tem jeito, sempre vai ter alguém pra lembrar que as coisas não estão tão boas assim. Sempre vai ter alguém que vai se identificar com a base cadenciada, com a rima direta que busca atingir o coração de quem frequentou e frequenta os “eventos dos campos de barro das quadras, entre os barracos semi-acabados de tábua”.

Ser do rap no Brasil é resistir. Ser do rap e falar de revolução social nos dias de hoje é mais difícil, é resistir em dobro. O grupo A286 mostra um pouco disso no clipe da música ‘Insônia’, trabalho lançado recentemente. Confira.

Por: DJ Cortecertu

Rapbox #57 com Thaide

#RapBRASILEIRO
Confira a edição 57 do RAPBOX, com o rapper e apresentador THAIDE rimando o som “Respeito é pra quem tem”. O som tem participação de ARNALDO TIFU, MISTA PUMPKILLA e DJ SPAIQ. A produção é de BLOODZN.

Opinião: Levantados das ruas: a arte que salva

POR KLÉBER G.

Por que ler?

Observar a importância da leitura e das expressões artísticas numa sociedade rasgada pelo consumo inútil, de tão repetido se tornou clichê. E como disse um dos mestres extraídos de nossas periferias, “tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires”, por isso eu vou tentar tecer meu texto com o qual modestamente venha debutar no Bocada Forte, de um jeito novo. Não porque sou autêntico e original, mas porque vou usar de matéria uma experiência particular que vem ao caso.

Lembro que era inverno, talvez quinta-feira, ano 2000. Uma tarde letárgica, nublada, embalada pelo som das crianças brincando na rua enquanto eu rolava desempregado dentro de casa. De repente a sinfonia daquele pequeno universo ali vivido foi cortada por uma saraivada de estampidos duros, secos, rápidos, estampidos destes que já acontecera antes, que conhecíamos, mas sempre havia a esperança de que pudesse ser qualquer outra coisa, até que os cachorros pegaram a latir, as galinhas sacudiram as asas como que espantando a paz dos quintais, e uma zaragata de pés e de gritos fez explodir minha adrenalina: glândulas suprarrenais fazendo com que em milésimos de segundo o sangue escorra em velocidade indescritível por todas as nossas artérias.

O livro é uma arma.
O livro é uma arma.

Um horror paralisante, que nos deixa inúteis por alguns instantes e que depois nos empurra, nos diz “vai, corre, vai salvar”, como se fossemos blindados a tiros de canhões. Quando sai à rua um automóvel preto cortou a minha frente fritando pneus e desaparecendo na esquina. Primeiro um silêncio mudo. Depois, pouco a pouco, as janelas foram se abrindo, as mães saíram gritando por suas crianças que se revelavam de seus esconderijos improvisados, e então os cães se acalmaram, e as galinhas fecharam suas asas, e ficaram os acordes graves da tragédia.

Uma das crianças apontou para a servidão que descia ao lado da minha casa. Encontrei um lastro de sangue no chão e no muro. Seguimos até chegarmos na cerca derrubada e encontrar o corpo de imberbe viciado do meu primo retorcido. Puta que pariu os joelhos magros encostando o rosto pálido. Puta que pariu as mãos dilaceradas denunciando a tentativa inútil de proteger a cabeça emplastada de pus. Puta que pariu minha tia descendo a servidão com o desespero mudo cobrindo seus gritos sufocados. Puta que pariu era o seu filho morto, o seu filho-filho, seu filho ali revirado em lodo e nada entre as plantas e o sangue que fazia poça. Puta que pariu as moscas. Puta que pariu o policial filho de uma égua que atendeu a urgência anunciou na rádio da polícia que havia menos um para incomodar. Puta que pariu, puta que pariu de novo, o tempo todo, puta que pariu, puta que pariu…

Velamos e sepultamos o meu primo com todas as tristezas e mistérios que envolvem a morte. Quando o túmulo foi lacrado e nos dispersamos do cemitério eu fui caminhar. Corri os Bairros da região Continental de Florianópolis com aquele cheiro de flores e bálsamo grudado em meu espírito, e em cada esquina inscrevia-se o cadáver retorcido do meu primo. Era um garoto de 17 anos, um ano mais jovem do que eu, metido em pequenos furtos e que nos últimos anos fora abatido pelo vício terrível no craque. Minha tia o havia expulsado de casa algumas vezes. Fato que provavelmente agravou as dores que até hoje a mantém de bruços sobre a lama negra da depressão.

A vingança era o sentimento inevitável. Caminhava compondo odes a vingança. Vingança e vingança, eu repetia, sem fazer qualquer pistas de quem assassinara meu primo. Sugeriu-se fulano e ciclano daquela ou da outra boca de craque, e também sugeriu-se alguma vitima dos pequenos furtos do meu primo. Mas mesmo sem culpados, nos rostos que eu encontrava na Cidade, todos absolutamente borrados, como se eu estivesse dentro de um pesadelo cinza, não existia inocência. Ninguém é inocente dos massacres e tragédias do Mundo. Por ato ou omissão, de uma forma ou de outra, todos somos culpados. Não importava que cabeça eu fosse explodir, o gesto me traria alívio à dor e à impotência das pessoas que eu amava. Depois de 2 horas caminhando cheguei então à ponte que liga o Continente à Ilha, atravessei a passarela para pedestres e fui para o Centro da Cidade. Recordo que foi a primeira vez que observei como o curso das coisas segue independente dos dramas individuais.

O argentino Raul Lemossof e sua arma de destruição em massa
O argentino Raul Lemossof e sua arma de destruição em massa

Em uma das ruas mais movimentadas, vagando feito um fantasma, parei em frente à uma banca de revistas que se preparava para fechar e o título de um livro exposto me chamou atenção. Crime e Castigo. O nome do autor me pareceu impronunciável e causou-me uma estranheza atemorizante. Fiódor Dostoiéviski. Imaginei então, que esse escritor, Fiódor Dostoiéviski, fosse um homem alto, de barba negra e comprida, e que provavelmente seria um pactuário do demônio. Sem hesitar eu entrei na banca, tomei o volume e sai enquanto a moça permanecia agachada atrás do balcão revisando alguma coisa, incrivelmente no gesto impulsivo não foi necessário que eu exercesse a arte de furtar que algumas vezes eu empreendera nos supermercados e lojas de CDs.

Fui até a praça XV de Novembro e me abriguei em um banco sob a luz despejada da lâmpada presa a um dos imensos ramos da famosa figueira. Comecei a ler a volumosa obra enquanto um mendigo se acomodava em caixas de papelões ao meu lado. Era um volume de capa grossa, destes que eram lançados em coleções de editoras.

Já nas primeiras linhas houve a identificação imediata com o personagem. Na mente, nas atitudes, no desespero, na vida de Raskólnikov havia todos os demônios com os quais um garoto da periferia poderia confrontar. E no discorrer da história, enquanto Raskólnikov era surpreendido pela amoralidade de seu gesto assassino, meu fluxo de consciência assumia novas dimensões. Era como se a experiência do livro estivesse abrindo novos campos em minha mente.

Talvez tenha me livrado do crime? Nunca saberei ao certo, mas naquele momento a literatura me foi fundamental.

De tão verdadeira eu sei que a minha história parece ficção. Mas levo comigo a vontade de em algum dia, poder promover debates verdadeiros sobre a arte, em todas as suas manifestações, como instrumento renovador e condutor da compreensão aos irmãos que sempre e cada vez mais sempre deverão superar o ódio que permeia o Mundo injusto em que vivemos.

E você leitor ou leitora; como e quando a arte ajudou sua existência?

Abraço.