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Foto: Tuca Vieira (Folhapress)

Representatividade negra na Rede Globo? Nunca veremos…

Por Luan Nascimento

Estreou neste mês na Rede Globo, a novela ‘I Love Paraisópolis’, e que tem como cenário a favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Existente desde meados dos anos 1950 e com mais de 80.000 habitantes, Paraisópolis é um símbolo de resistência periférica. Com uma população majoritariamente composta por migrantes nordestinos, 78% da população da favela serve de mão de obra para a região do Morumbi, talvez em razão desta subserviência, a convivência entre os ricos do Morumbi e os pobres de Paraisópolis seja aparentemente mais pacífica do que em outras regiões onde existem favelas junto às regiões nobres. Mas a paz fica mesmo somente nas aparências, pois a Zona Sul de São Paulo tem um vasto histórico de remoções de comunidades pobres para construção de setores empresariais. Espremida ao lado do Morumbi, um dos bairros mais ricos do Estado, a favela de Paraisópolis já sofreu com remoções, incêndios misteriosos e invasões da PM de São Paulo. E justamente devido às remoções e incêndios de favelas vizinhas é que Paraisópolis acabou por tornar-se uma das maiores favelas de SP e agora, protagonista de novela da Globo.

Seja na TV ou no cinema, não é de hoje que o cotidiano das favelas ganha os holofotes através de produções de filmes, séries e agora mais atualmente, novelas. Apesar de quase um terço do país (56 milhões de pessoas) viverem em periferias urbanas e já conviverem diariamente com a realidade periférica, o tema favela parece sempre ser uma fórmula de sucesso na mídia. De Cidade de Deus à Tropa de Elite, as produtoras (na maioria das vezes, encabeçada pela Globo Filmes) têm se inspirado cada vez mais no cotidiano das favelas em suas produções, ganhando elogios da crítica e vários prêmios mundo afora. Hoje em dia pode-se dizer até que já existe uma tradição das produções brasileiras em retratar as desigualdades nas pequenas e grandes telas.

E seguindo esta receita, a Rede Globo, que com slogans como “Globo e você, tudo a ver” ou “A gente se vê por aqui” vem tentando ao máximo retratar as classes mais pobres em sua grade de programação. Dessa forma, além de produções cinematográficas como Querô, Salve Geral e Carandiru, a Globo produz novelas como Duas Caras, Babilônia e Salve Jorge, que possuem histórias ou personagens baseadas no cotidiano periférico. A favela virou moda e negócio, mas só para quem está fora dela.

“Pois quem gosta de nós somos nós mesmos!”

O Brasil nunca quis ser negro, tão pouco nunca assumiu o racismo estrutural e institucional vigente desde a assinatura da Lei Áurea até os dias atuais. É importante que uma emissora gigante como a Globo retrate o cotidiano de uma favela na novela? Sim, representatividade sempre importa, mas o que exatamente está sendo representado nesta novela? Devemos assumir uma postura mais crítica e reflexiva em relação a supostas representatividades (seja lá quais forem) na grande mídia, pois nem sempre estamos de fato sendo representados, mas apenas caracterizados por uma mídia que pouco sabe de quem vive em periferias além de estereótipos. O mais ideal seria a criação de emissoras comunitárias, que realmente representem quem é da favela, ao invés de reproduções televisivas que só servem para padronizar o povo, se apropriar da cultura periférica e subverter todo seu significado como vem sendo feito pela Rede Globo e várias outras emissoras da grande mídia.

E ‘I Love Paraisópolis’ percorre esse território, da suposta representatividade, apresentando ao telespectador um enredo que muito se assemelha a diversas histórias de pessoas que moram em favelas. São histórias de pessoas batalhadoras, que dão duro desde cedo, que são vítimas de preconceitos constantes, que mal tem seu direito ao uso da cidade, pois não têm dinheiro para pagar por isso. Com ‘I Love Paraisópolis’ e outros programas na mesma linha, a Globo tenta criar laços de empatia com seus telespectadores a fim de ludibriá-los com suas falsas representatividades. A própria história da novela global chega a ser um deboche com quem é morador de Paraisópolis, contando a história de uma rica empresária que odeia pobre e favela, um sócio que vê na comunidade uma oportunidade de ganhar dinheiro através da especulação imobiliária. Ironia? Quem sabe, mas provavelmente esse é o único aspecto real e fiel da história apresentada na novela: empresários que odeiam pobres arquitetando planos para superfaturar obras e destruir as favelas.

De fato existe desde 2005 um projeto de reurbanização de Paraisópolis que teve seu início em junho de 2006 e que “coincidentemente” veio junto com uma série de remoções e incêndios de favelas próximas, como o Real Parque e Jardim Panorama. Porém, até hoje o projeto não saiu completamente do papel, nem metade do prometido foi entregue e muitas das obras estão completamente paradas desde 2013, inclusive existem também suspeitas de esquemas de corrupção e superfaturamento das obras de reurbanização. Enquanto isso, mesmo com as obras paralisadas, o custo de vida nas favelas continua sempre aumentando. Em 2012, o preço do aluguel em Paraisópolis chegou a ter um aumento de 900%, forçando muitos moradores a deixarem a favela por não conseguirem arcar com os custos de moradia.

Em clima de comédia romântica, ‘I Love Paraisópolis’ reproduz de maneira debochada o drama de muitas famílias da favela, com seu humor pastelão, a novela ignora de todas as maneiras possíveis todo e qualquer problema real da favela que diz amar. Talvez o único resquício de amor que a Rede Globo tenha por Paraisópolis esteja em sua arquitetura, já que a emissora construiu uma réplica de 10.000 m² em seu estúdio no Rio de Janeiro, onde serão gravadas as maiorias das cenas da trama, afinal, amam tanto Paraisópolis que é melhor manterem distância. Com um elenco majoritariamente branco e que em sua maioria imita o sotaque e as gírias de Sp, deixando tudo ainda mais caricato, a Paraisópolis criada pela Globo mostra uma favela que não existe e que apenas serve como pano de fundo pra mais uma história clichê de vilão e mocinho brigando pela gata borralheira. A Paraisópolis real e que a Globo ignora, sofre com o ensino das piores escolas de São Paulo, com os incêndios misteriosos, falta de saneamento básico, falta de transporte público, entre tantos outros problemas infelizmente comuns para tantos moradores das periferias de São Paulo e do Brasil. Afinal de contas, quem ama Paraisópolis?

Retratar a questão de reurbanização de Paraisópolis na novela traz à tona o tema que é geralmente ignorado pela grande mídia e que é de extrema importância aos moradores da favela, que é o impacto direto que a reurbanização tem na vida dos moradores de baixa renda. Afinal, quando há reurbanização, automaticamente existe ali uma tendência de expulsão econômica de moradores ou caso prefira, pode chamar de gentrificação seletiva. O custo de vida aumenta drasticamente, forçando moradores mais pobres a abandonarem suas casas e procurarem locais cada vez mais distantes do centro (e de seus locais de trabalho) para viver. E é assim que se destrói a passos lentos uma favela e milhares de famílias que vivem ali. Não se deixem enganar pelos discursos ludibriadores da TV, pois apesar do tema de abertura da novela que brada “negro, branco, pardo, colorido, caucasiano, todos em um grito de não ao preconceito, viva a miscigenação”, discutir o racismo, a desigualdade social ou ações afirmativas aos moradores das periferias não está, nunca esteve e nunca estará na pauta da Rede Globo, que assim como a vilã de ‘I Love Paraisópolis’, também odeia os pobres.

Referências:
– http://www.pac.gov.br/obra/25295
– http://elitoarquitetos.com.br/php/php.html
– http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/175094-pf-investiga-consorcio-contratado-por-kassab.shtml
– http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-serapiao/a-operacao-das-operacoes-9653.html
– http://ponte.org/vitimas-de-incendio-em-favela-querem-reconstruir-barracos-nos-escombros/
– http://ponte.org/construtora-paga-r-850-mil-para-limpar-area-onde-havia-favela/
– http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,paraisopolis-cresceu-ignorada-pelo-poder-publico,317767
– https://campanhaparaisopolis.wordpress.com/estadao/
– http://paraisopolis.org/abaixo-assinado-em-prol-da-construcao-de-moradias-e-do-aumento-do-aluguel-social-para-r-60000/
– http://rollingstone.uol.com.br/edicao/56/arquitetura-da-destruicao#imagem2

 

Publicado por Portal Bocada Forte

Pioneiro no Brasil, fundado em 1999, o BF tem como foco o original hip hop brasileiro e internacional, com ênfase na cena alternativa.

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