Em meio ao debate sobre legitimidade, mídia e dinheiro, as palavras do COSTA A COSTA – grupo formado por Preto B, Nego Gallo e Don L – anteciparam muito do que é discutido hoje. A entrevista, publicada por DJ Cortecertu, teve grande repercussão e foi ao ar no dia 28 de agosto de 2007.
Segundo o IBGE, o PIB (Produto Interno Bruto) do Nordeste cresce acima da média brasileira. O padrão de vida melhorou com os programas governamentais como o Bolsa Família e o Luz para Todos. Matéria da revista Carta Capital (Março/2007) afirma que o salário mínimo, atrelado aos benefícios da Previdência Social é outro aspecto importante.
A capital do Ceará está enquadrada e é beneficiária das ditas “melhorias sociais”. Mas o processo de favelização aumenta a cada ano e os problemas são iguais aos de qualquer metrópole brasileira. E neste contexto de desigualdade, o grupo nordestino COSTA A COSTA desenvolve suas rimas e lança a mixtape “Dinheiro, sexo, drogas e violência de Costa a Costa”, pelo selo independente Dunego Records.
“…Fortaleza é igual a qualquer lugar primo”
Com uma produção que beira a perfeição e no estilo gangsta rap abrasileirado, os integrantes abordam o way of life da vida bandida, as horas cronometradas de quem faz seu movimento nas ruas. Sim, são horas cronometradas, pois quem vive assim não sabe se estará vivo na virada dos ponteiros.
O capitalismo do gueto vira rap. A lógica administrativa, os negócios feitos para levantar uma grana, a necessidade de se proteger e atacar sempre se misturam a uma busca pela justiça e pela paz, por um dia pelo menos.
Numa métrica distribuída numa sequência inteligente, a mixtape do Costa a Costa expõe o lado da favela que conhece e o lugar social que cada um tem neste espaço. O dinheiro ou a busca por dinheiro justifica as atitudes, o comportamento competitivo, o machismo, a inveja e a luta contra ela e a sobrevivência numa cena tensa.
Do gueto do gueto surge lições de vida. Esta mixtape tem que ser comparada a um filme que mostra a crueza, pois dilacera o que achamos o que é realidade. Não é apologia ao crime, é a demonstração das mazelas que o dinheiro, o hedonismo, as drogas e a violência fabricam de costa a costa.
Cada um tem sua interpretação. Cada um faz sua escolha.
Condicionada a sua realidade social. A Dunegu Records e seus integrantes fazem a proposta: faça o seu, viva o agora. A luta no jogo do rap é assim.
O trabalho sério e criativo do Costa a Costa é polêmico e quebra a maioria das regras, exceto a do capitalismo selvagem. Mas quem consegue quebrá-la?
A seguir as idéias de Preto B, Nego Gallo e Don L, integrantes do Costa a Costa.
Bocada Forte (BF): Qual a formação do grupo e quanto tempo de estrada tem o Costa a Costa?
Don L.: Eram dois grupos, um da Costa Leste e outro da Costa Oeste de Fortaleza. A mesma realidade na favela em frente o mar, perto das casas noturnas mais quentes, dos pontos turísticos e dos arranha-céus. E como a Regina Casé falou pra nós, tem uma Manhatan e um Brooklin em Fortaleza. Eu tava na rua no meio dos cafetão, das putas, os traficantes e os ladrões, os gringos, os playboys, a polícia corrupta, os usuários. Todo mundo querendo comprar, vender ou roubar alguma coisa. Todo mundo querendo fazer essa grana, e gastar essa grana com o pó mais puro, a balada mais quente, a gata mais gostosa, o celular mais moderno, o carro mais loco que puder.
Eu fazia uns rabisco no papel e ouvia Rap, entre um baseado e outro, entre uma missão e outra. Os cara tava falando de revolução, de irmandade. E eu tipo… certo, os cara tão falando uns bagui loco… Então eu quis ver de perto. Paguei pra ver. E vi que a maioria tava mentindo, se enganando ou enganando os outros. Na real tava todo mundo competindo por poder e grana, e diferente da rua, onde os bagulho se resolve na prática, no Hip-Hop os cara faziam discurso. Na rua os problemas eram resolvidos de homem pra homem, seja falando na cara, discutindo frente a frente, seja na mão ou na bala. No Hip-Hop, era disse me disse, várias cruzeta pelas costas. Eu prefiri a rua. Errado por errado eu prefiro o mais sincero. Eu já tinha uma amizade com o Gallo e na troca de idéia a gente viu que tava na mesma intenção, então decidimos formar o grupo e fazer um CD Demo. Era 2003. Aí surgiu o Costa a Costa. Eu e Júnior D, da costa leste, Nego Gallo e Preto B da costa oeste, depois a gente convidou o Flip Jay que já tava ligado qual é o jogo.
BF: Vocês cantam a realidade das ruas das quebradas de Fortaleza e afirmam que vivem o que falam. Tratam do tráfico, da fome, da falta de perspectiva e da lógica do capitalismo. Qual o envolvimento dos integrantes do Costa a Costa com essas questões? Existe alguma saída? Alguma forma de amenizar o sofrimento do gueto?
Don L.: Existe. O Costa a Costa é uma forma. A idéia é falar menos no problema e mais na solução. Todo problema, não importa o quanto filhadaputa ele seja, tem solução, senão não é mais problema. Se você pegar o tempo que você gasta pensando em como sua vida é miserável, como o mundo é escroto, e como você tá pré-destinado a perder, aí você perde mesmo. Pára com isso, chapa! Ninguém nasce pra perder. Isso é o que alguns querem que você acredite, pelo simples fato de que isso torna mais fácil a vitória deles. E aí você chega a seguinte conclusão: 90% do Rap nacional é perda de tempo. Pior que isso: é atraso de vida. Desses 90%, tá todo mundo mentindo e eu provo porque. Vai vendo.
BF: Como o foi o processo de gravação do disco?
Don L.: Porra eu tinha ido pra São Paulo com um disco pronto. Eu sabia que meu disco era melhor que a maioria por aí, tinha consciência do meu valor, e fui pensando em conseguir uma gravadora pra lançar. Consegui. Recebi propostas das duas maiores do momento. Mas não eram boas propostas. E cheguei a conclusão de que não devia assinar. Na verdade, percebi que os selos e gravadoras de Hip-Hop que eu cresci ouvindo falar, e que inspiravam o meu corre, estavam todos falidos.
Não tem mais dinheiro no Rap, xapa! Porque a rua não acredita mais nas suas mentiras. Não dança mais o seu som mal produzido, as suas rimas meia boca, sem swing, sem sinceridade. Ninguém agüenta mais a apologia da derrota. Vendo que o bagui tava desse jeito, eu preferi fazer parcerias com alguns que ainda estavam fazendo alguma coisa verdadeira no meio. Ao invés de gravar um álbum, eu acabei cedendo uma faixa pra mixtape do Kl Jay, outra pra coletânea Raízes do DJ Adriano, e outra faixa pra coletânea HumBatuque Clube, do DJ Hum, que estão saindo em breve. Eu queria também ir na Trama, mas a trama, no setor de Hip-Hop, consegue a proeza de escolher os piores e eu queria dizer isso pra eles. Acredite, eu ia dizer mesmo. Puta que pariu não sei como eles conseguiram reunir tanto grupo ruim ao longo do tempo que eles tramparam com esse setor.
Eles deram todas as condições pros cara fazer o bagui, e só saiu merda 90% das vezes. Os A&R de lá devem ser parceiro mesmo desses cara… tipo amigo de família mesmo, padrinho dos filho dos cara… eu não consigo imaginar outra explicação. Mas na época que eu tava lá, todo mundo já tinha sido botado pra fora. A Trama perdeu muito dinheiro com o Rap e agora ia ficar só com um ou outro artista… Eu conhecia uns e outro que tavam nessa disputa, mas ninguém teve coragem de me levar lá, lógico, nem de dar sequer um contato bom. Tudo bem, isso só me deixou certo de que eles sabiam que eu era melhor que eles. Veja bem, eu já conhecia o jogo do Rap quando eu fui, conhecia o jogo da política do Hip-Hop, conhecia o jogo da rua. Aprendi muita coisa, claro, mas o jogo é o jogo em qualquer lugar. Eu fui tipo Malcom quando foi pra Mecca, já sabia que muito do que me falavam era mentira… Mas fui pra constatar. Então eu peguei mais umas 3 faixas além das que foram liberadas pra essas coletânea, produzi mais algumas coisas, peguei algumas bases prontas, e gravei uma mixtape. Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência de Costa a Costa… Tá na rua. Vendi 2 mil cópias pelo norte e nordeste de mão em mão, em 1 mês, e tô prensando 10 mil agora. Mais do que os “grandes” selos do Rap nacional tinham me proposto. E é só a mixtape.
BF: Como foi formada a Dunego Records?
Don L.: A DuNego surgiu junto com o Costa a Costa é um estilo de vida, uma linha de pensamento e ação pra vitória, e a DuNego Record$ é um dos setores.
BF: Quem produziu a mixtape?
Don L.: Eu. Com co-produção de Nego Gallo e Flip Jay em algumas faixas. Flip Jay mixou as faixas.
BF: Quem participa do CD corre com vcs?
Don L.: Nem todo mundo que participa corre com nóis. As vezes é só uma identificação musical mesmo e já é.
BF: Vocês são influenciados pelo gangsta rap ?
Don L.: Muitas mentiras são contadas sobre o Rap. Principalmente quando envolve a palavra gangsta… Mas o Rap é gangsta, não adianta. É só você tentar definir uma coisa separada da outra e você vai ver que não consegue. O Rap não seria o que nós conhecemos como Rap se não existisse o gangsta. E nem a palavra gangsta teria o sentido que tem hoje se não fosse o Rap. O crime muda o Rap e o Rap muda o crime, chapa… isso que é loco. E aí mora o poder do bagui. As possibilidades são infinitas. Podem ser positivas ou negativas. Mas uma coisa sem a outra? É como tentar tirar as drogas e as armas do filme Wild Style, parceiro… se você conseguir, aí você vai ter o Rap sem o gangsta.
Mas provavelmente você teria que voltar no tempo muito mais do que 30 anos pra poder mudar isso. Agora, sobre esses cara gravando clipe em carro emprestado e vagabunda paga a prestação… a questão não é se é gangsta ou não, a questão é que é mentira. A rua não respeita isso. Pra você ver como o velho Rap nacional se tornou uma piada… os que tem um carro importado e curte com umas puta loca, escondem isso, posam de revolucionários nos clipes. E os que não tem nem uma moto querem gravar um clipe pagando de cafetão, com várias puta. Você acha que a rua vai levar isso a sério?
BF: Pra vocês qual a diferença entre o Rap americano e o brasileiro?
Don L.: Pra não ter engano, o que chamam de Rap nacional, aqui eu vou chamar de velho Rap nacional. Porque o novo Rap nacional é o Costa a Costa, e outros que não se enquadram nesse velho perfil, nessa mentira que é o velho Rap nacional. Mas não confunda com velha escola e nova escola. Velho aqui não é idade, quer dizer que tá morto, é uma mentira e mentira não tem vida longa. Existem grupos da velha escola que fazem parte do que eu chamo de novo Rap nacional, e sempre fizeram, porque são sinceros.
E existem grupos novos que fazem parte do velho Rap nacional, porque tão reproduzindo a mentira. A diferença? O velho Rap nacional é baseado na lógica da derrota. Assume a derrota. Aceita a derrota. E o pior… cultua a derrota. No Rap americano não existe derrota, xapa! Você não vê um rapper americano chorando e dizendo “porra, a sociedade é injusta, não me dá oportunidade, a televisão é racista…”, mas você pode achar algum deles dizendo tipo: “certo, existe isso tudo, e é difícil mesmo, mas foda-se, vocês vão pagar um pau pra mim agora, porque eu dou audiência pra vocês, gero dinheiro, e em breve vou comprar esse canal de televisão e ser o dono dessa porra toda aqui!” Você não vê o The Game chorando porque o sistema é injusto e a polícia é corrupta… Você vê ele gravando uma mixtape e um DVD inteiro com uma campanha pra parar a caguetagem, e dizer que quem faz acordo com polícia no gueto não é homem… E a repercussão é tão grande que você tem um cara na CNN discutindo o assunto com o dono da DefJam. Por isso eles tão no topo. E é lá que o novo Rap nacional deve chegar. No topo. O Costa a Costa tá preparado.
BF: Na mixtape, o dinheiro é o objetivo e a razão das ações, mas vocês também falam de amor de esperança. Vocês acham que seu público consegue assimilar suas mensagens? Quem tem um nível maior de informação ou de experiência de vida consegue entender o que vocês querem passar. Mas me refiro ao jovem sem incentivo e sem informação. Vocês acham que eles distorcem suas idéias?
Don L.: Não. Justamente o contrário. Geralmente as pessoas com maior nível de informação são as que distorcem as nossas idéias. Geralmente essas pessoas bem “informadas” são mal informadas sobre o que tá pegando na rua. Dentro do Hip-Hop isso chega a ser ridículo. Muitos tratam o gueto com um tom tão infantil que… caralho, dá vontade de rir, parceiro. A forma que eles falam, justamente preocupados com isso, de querer ser acessível pra favela, revela que eles não pisam nela a muito tempo. Podem morar dentro dela. Mas não tão nela. Tão alienados no meio do velho Rap nacional… Parece tipo uma comunidade de lunáticos, que só vê o que querem ver. Ou então, se forem os cabeça, tão mentindo mesmo e fazendo uma grana com essa mentira, iludindo otário com esse papo de revolução. Isso contaminou geral todo o meio do velho Rap nacional: rappers, ongeiros, colunistas de sites, editores de revistas…
Você lê uma entrevista e o que você pensa é o seguinte: esses cara não tão falando sério! Eu acabei de ver um especial sobre Rap na MTV. Só o DJ Hum e o Marcelo D2 falaram alguma coisa real. Dos cara do velho Rap nacional que falaram, ninguém tava falando sério, irmão. Eu tava no barraco de um parceiro, que não é do Rap, com uma rapaziada tomando um rum. Ninguém levou a sério o que os cara tava falando, irmão. Teve um rapper que abriu a boca pra falar que se fizesse um show de 100 mil reais fora da favela ele ia voltar pra favela e perder o respeito, e que preferia fazer um de 100 reais e continuar sendo respeitado no gueto. Caralho. Eu digo o seguinte: Se eu fizer um show de 100 reais, a favela me respeita, e sabe que eu em breve vou tá fazendo um show de 100 mil reais, e eu vou voltar pro gueto mais respeitado ainda. Eu não vou perder o respeito por causa disso. Ao contrário. Um ladrão que volta de um banco com 100 mil reais vira lenda na favela, todo mundo respeita. A não ser que ele não seja homem pra lidar com a grana dele como um homem.
Imagina se seu dinheiro é limpo. O show do Zeca Pagodinho deve ser uns 100 mil reais, e ele pode dar um rolé na minha quebrada, no meio da favela, que ele é respeitado. O Jorge Ben, o finado Bezerra da Silva, nenhum perdeu o respeito. Pra começar o próprio velho Rap nacional respeita eles. E eu não sou menos homem que eles. Mas voltando ao programa, tinha o MV Bill falando, e de uma hora pra outra tava rolando tiro na favela, e ele refletindo no meio da entrevista: “Porra, é foda, a gente aqui dando curso pra molecada, tentando salvar vidas, e a bala tá rolando lá em cima…” mas Bill, eu vou falar pra você porque acontece isso irmão, é porque os moleque mais inteligente da favela, eles não quere ser peão na Cufa, chapa. Ele quer ter o que você tem. Eles vê o carro que você anda, eles vê o tênis que você usa, as vagabunda que você pode comer se quiser… Você pode não ostenta o que você tem, mas eles tão ligado que o Falcão é o produto que você vende. E eles vende o deles. Você pode fazer projeto social e o caralho, eu não tô julgando isso… Mas você já curtiu na Bunker um sábado a noite, né? Eles querem curtir umas balada loca também… Se um moleque desse for pro Rap… vai ser pra tomar o seu lugar, então é melhor você ficar esperto! Assume o que você é. Você não toma seu champanhe? Você também usa umas corrente no pescoço… então porque você tá falando da corrente no pescoço do 50 Cents?
É como diz o Kl Jay… As ruas estão olhando. Se a sua vitória é legítima, porque você não assume ela? No gueto não tem moleque, nego! No gueto não existe puberdade, tá ligado? Você é criança e de repente nem percebeu… já é adulto. Esses piveti aí de 14 anos tão tudo esperto… se você bobar, eles te engoma! Não pense que você tá falando pra uma pá de imbecil desinformado… Esses moleque não são otário. Por isso eles entende o Costa a Costa. Mas se liga ae, o mais importante na música não é a informação, é o sentimento. Porque na música, o sentimento não pode ser mal interpretado… E no nosso som o sentimento é de vitória… Por isso que você vê vários grupos aí dizendo ser mal interpretados e essa porra toda… na verdade eles tão sendo muito bem interpretados, porque é o que o sentimento da música deles traduz. Negatividade, derrota, e essa porra toda. E é por isso que o Rap gringo tá fazendo mais sucesso na favela do que o Rap nacional… porque mesmo sem entender o que os cara fala… o som lembra vitória… e é isso que um guerreiro quer na vida. E o que o velho Rap nacional tem feito? Olha pro seu público. Olha o que você fez com ele. Só piorou.
O velho Rap nacional tem sido negativo pra vida dos seus adeptos. É só você observar. Observa por trás da máscara… Você vai ver que são pessoas que são extremamente negativas em relação a elas mesmas… Sempre estão se dizendo que é foda porque “eu não posso isso”, “eu não posso aquilo”. Se vangloriando porque “o Rap me salvou”, “me tirou do crime”, e agora é um profissional frustrado em alguma área… sem planos de vitória. Sem ambição. Mas tudo bem… o velho Rap nacional já disse que isso é motivo dele se orgulhar, afinal, a culpa é do sistema, e ele poderia estar pior! Mas eu digo pra você o seguinte: Sempre vai ter alguém pior que você por mais fudido que você esteja… não se guie pelo pior, se guie pelo melhor. O sistema fode todo mundo, então porque alguns conseguem vencer, mesmo saindo do gueto do gueto? Eu não vou fazer Rap como se eu tivesse falando pra um otário, mas se um otário quiser entender mesmo… ele pode ir atrás de entender, ouvindo direito, procurando uma entrevista tipo essa… parando de ouvir o velho Rap nacional e começar a ouvir quem tá falando sério. E isso pode ser a mudança.
Obs.: Você nunca vai ouvir o Costa a Costa falar a palavra “esperança” a não ser que seja num tom irônico. O que existe é fé e luta. Esperança parece um bagui tipo… esperar que aconteça… E quando vc espera que aconteça, nunca acontece. Fé é diferente. Você não espera que aconteça, não tem esperança, porque na esperança existe a possibilidade da derrota, na fé não existe essa possibilidade. A Fé não espera acontecer porque é como se já tivesse acontecido. É só fazer acontecer. E de fato vai acontecer.
BF: Qual sua opinião sobre a relação Rap nacional e televisão?
Don L.: A televisão manipula a verdade, mas ainda é mais sincera que o velho Rap nacional. E o velho Rap nacional tem medo dela por causa disso. Porque o velho Rap nacional mentiu pa caralho, e tem medo da televisão explorar isso. E com razão, porque ela explora mesmo. Ela joga pela audiência, e não tem uma coisa que dê mais audiência que desmascarar um mentiroso, ou colocar ele em uma situação que ele mesmo se destrua. A televisão é o que é. É tipo o mundão mesmo. Capitalista, injusta, racista, etc. etc. etc… Mais ainda é mais sincera que o velho Rap. Mas o que tá acontecendo agora é o seguinte. O Rap nacional tá tão fudido, que de repente vira quase consenso que o Rap tem que ir pra televisão. Aí quando tá todo mundo alegre porque agora pode ir, alguém vai e se fode. Aí a velha discussão infantil volta a tona. “A Televisão prejudica o Rap”. “Distorce o Rap”. Mas o problema não é com a televisão. A televisão é o que é. O velho Rap nacional é que não é o que diz ser, e aí a televisão vai querer explorar isso pra ganhar uns pontos extra na audiência. Fácil. Quando você vai pra Tv, você tem que ir pra vencer. É ela ou você. Mas você não pode ser vencedor desse jeito, porque a insegurança não é compatível com a vitória.
BF: Vocês acham que o Rap nordestino é discriminado?
Nego Gallo: O bagui é loco. É como o Gato Preto falô pra nós uma vez: você tá no nordeste, irmão… você tem que fazer igual um negro numa universidade que só tem branco. Não adianta ser melhor. Você tem que fazer dez vezes melhor. É o que eu tô fazendo. E é só a mixtape.
Don L.: Eu tenho tanta coisa pra falar sobre isso, que vou deixar pra próxima, porque senão isso aqui vai virar um livro, e não uma entrevista. Mas o Gallo resumiu bem a solução. Bezerra da Silva fez no samba. Caetano Veloso fez na MPB… Costa a Costa tá fazendo no Rap… Depois que abriu o caminho aí já era, chapa! Tem um som que nós não lançamos ainda. O nome é Moisés Negro! Que vai falar disso também. Eu só quero aproveitar e mandar um alô pros irmão e as irmã, guerreiros do norte e nordeste que tem dado apoio ao Costa a Costa, e dizer o seguinte: Fé em Dobro guerreiro! Ninguém pode separar o que Deus une. Ninguém pode vencer os que Deus escolheu pra vencer. Você acha que o talento é em vão? Claro que não!
BF: Como você analisa o tratamento dado a mulher no Rap nacional e na periferia?
Nego Gallo: Primeiro acho que as mulheres do rap tem que parar de se preocupar com o que o velho Rap nacional pensa delas e começar a curtir quem curte elas. Eu curto elas. Aliás, sou casado com uma.
Don L.: O velho Rap nacional idealizou uma mulher que não existe e as mulheres que entram ficam tentando se encaixar nesse ideal… Sem sucesso… porque as mulheres da vida real não se identificam. Tem também uma pá de feministas e ong´s que nunca foram do Hip-Hop, não sabem o que é Hip-Hop, e querem dizer pras mulheres o que é certo e o que é errado no Rap. Que isso e aquilo é vulgar… Que isso e aquilo é machismo… O problema principal não é o machismo, nem o racismo, é o desrespeito. E o homem desrespeita muito mais o próprio homem do que a mulher. A prova disso é uma pá de morte, briga, caguetagem, etc… A mulher sofre uns bagui que o homem não sofre e vice-versa, eu não tenho como julgar se é mais difícil pra um ou pra outro.
As feministas falam que o homem supervaloriza o corpo dela, em detrimento da inteligência. Algumas chegam até a reclamar porque elas tem que se depilar e manter o corpo em forma, porque a sociedade acha feio o contrário. E se pá eu tenho que traficar porque a sociedade também acha feio um homem não ter uma roupa legal, um relógio, um tênis bom. Sem isso você não é um homem, é um moleque. Então elas valorizam minha grana em detrimento do meu caráter. Se ela fica com vários caras chamam ela de vagabunda, e se eu fico com várias eu sou um garanhão. Tudo bem. Mas se eu casar com uma mulher e não sustentar ela, ficar desempregado, eu sou um vagabundo, um fracassado, e a família dela vai dizer que ela casou com o cara errado. Se ela me sustentar, aí é pior, me chamam de gigolô, a sociedade não me respeita. Tá interado? Não é só nós que tem que mudar, elas precisam mudar também, porque um é reflexo do outro. A atitude de um reflete na atitude do outro.
O tal do feminismo, pra mim, é apenas outra bandeira pra catar dinheiro pra projeto social, é só mais uma palavra tão cheia de definições que se tornou vazia, como o comunismo, o socialismo, e vários “ismos”… mas na verdade todos se corromperam, essa é a verdade. A mulher precisa ter direitos iguais, só isso. Não precisa se igualar ao homem. O homem criou a merda toda. O homem faz guerras, vende as armas de destruição, e destrói pra depois vender o material pra reconstrução, com apoio das suas mães e esposas. O que elas tão invejando nisso? Dizem que a mulher está chegando no poder, mas eu não vejo isso. A mulher pra chegar ao poder, se aproxima demais das características masculinas, eu não considero isso mulher de verdade.
Preto B: Aqui no nordeste a gente trata elas como o clima é: quente!
Pioneiro no Brasil, fundado em 1999, o BF tem como foco o original hip hop brasileiro e internacional, com ênfase na cena alternativa.