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Graffiti em tributo a Kool Herc no bairro do Brooklyn, NY

Por Noise D e Spensy Pimentel.

Do parque ao povo, dos bicos de spray aos profetas de Espírito. Os breakers, poppers e lockers; milionários do rap, política e lucros; e então de volta ao povo. O passado, o presente, as festas – ninguém consegue trazer aquela batida de volta como DJ KOOL HERC.

Kool Herc em ação no Canadá

Convidado de honra para o 20º aniversário do Festival de Graffiti ‘Under Pressure’, no Canadá, Herc concedeu ao site Cult Montreal – com tradução para o BF – o privilégio dessa entrevista com um olhar cândido para diversos assuntos. Sem maiores introduções, senhoras e senhores, o ‘Pai do Hip Hop’.

Darcy MacDonald (DM, Cult Montreal): E aí, tocando muito por aí?
Kool Herc (Herc): Sim, e gostaria de tocar mais, mas, de qualquer forma, tudo tranquilo. Acabei de fazer um ensaio para o jornal New York Times. Vai sair em 13 de setembro na revista deles. Tem a ver com todas as pessoas de alto nível em Nova York que já fizeram algo de impacto. Autores, estrelas de cinema – pessoas influentes culturalmente. Eu também ganhei recentemente o reconhecimento do Institute for Audio Research. Me deram um prêmio pelo conjunto da obra em julho. Foi lá no Teatro Apollo. Estava lotado. Tinha um irmão chamado Umar Johnson… Você já escutou aquela gravação em que o Public Enemy fala que (Louis) Farrakahn é um líder que se deveria ouvir? Pois eu digo que Umar Johnson é um líder que vocês todos deveriam ouvir. Esse irmão está trazendo um monte de coisas importantes para a comunidade. (…)

DM: O que o Hip Hop ainda tem para nos dar nesses tempos tão duros?
Herc: É preciso aproveitar o poder que estar juntos nos traz. Parar com o egoísmo, a pompa, essa coisa de “sou melhor que você” e consertar as coisas de verdade, com substância e grana que poderia ajudar as crianças na comunidade. Abrir debates que olhem para a vida. É preciso deixar o microfone de lado, sair do isolamento, chegar e falar com as pessoas.

Coke La Rock e Kool Herc

É mais ou menos como o pessoal da luta faz. Os lutadores vieram de um esporte do beco. Onde eles estão agora? Estão suficientemente organizados para fazer isso. A próxima coisa que veio disso foram os clubes de luta. Era um esporte do beco e agora eles são organizados e respeitados.

É a mesma coisa com o Hip Hop. Devia ser assim. É um modo de ser parte dele e você tem que ter uma reputação para entrar no negócio. Em vez de, sabe como é, você ter de conhecer alguém… E você sabe, acontece desse jeito. Mas ao mesmo tempo, também, eles precisam estar estruturados. E todos esses milionários que se capitalizaram com o Hip Hop, eles precisavam ir a um lugar e fazer uma reunião e começar uma nova fase de crescimento para nossa cultura, com o respeito e a atitude que se espera que venha junto com isso.

Nós temos os rappers das batalhas de MCs, e esse é um outro jeito de conseguirmos reconhecimento. (…) o Hip Hop pode fazer a mesma coisa também. Você tem caras como 2Pac, milionário com dois discos, depois morrem e já era. E lá se vão Drake e Mill prosseguindo com isso (ele se refere a recentes trocas de ofensas entre os dois rappers). (…)

O Hip Hop não é isso. Hip Hop é lirismo, bons tempos e boas memórias. É sobre juventude, juventude no coração. Aquela velha história de “gangsta rap” – não existe gangsta rap, ninguém chamava aquilo de gangsta rap, foi a mídia que começou com isso. Gangsta rap? Que porra é essa de “gangsta rap”? Não existe essa porra! E também não tem essa história de “preto” – é uma questão de “nós”, isso sim.

IMG3DM: Questlove (do grupo The Roots) disse certa vez que, a despeito de todo o negócio pesado que existe em torno do Hip Hop, ele preserva um senso de ‘agência’.
Herc: Exatamente. E se ele diz isso, ele tem de vir sentar comigo, e me colocar naquele show lá e me deixar começar a levar minha palavra de paz pra lá.

DM: Com certeza.
Herc: Né não? Lembra o Ed Sullivan falando, “senhoras e senhores, hoje nós temos o fulano falando sobre tal e tal”. O que está rolando com aquilo? Nös viemos do mesmo lugar, do Hip Hop. Eu não estou na cracolândia. Já estive, mas não mais [nos anos 80, Herc usou crack, num período após a morte de seu pai, que o abalou muito]. Eu sou comunidade. Essa é a minha fita e meu cartão de apresentação. Quem nós somos e de onde viemos? Quem sou eu? Eu sou o Aiatolá do bagulho, o presidente do bagulho, o pai dessa parada!

DM: Sim, senhor.
Herc: Eles só me conhecem porque eu venho a muitos lugares. Eu não venho com uma galera. Sou só eu! E esse sou eu. Onde quer que eu te encontre, eu vou te passar as minhas ideias. As pessoas querem me ver na política. Já pensou, o seu Deputado representando a cultura do hip hop? Eu estaria na arena política. E todos nós poderíamos ir pra lá também. Seria um baita de um estorvo…

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DJ Kool Herc (right) with DJ Tony Tone. Foto por Joe Conzo.

DM: Kool Herc para presidente!
Herc: Tá ligado? Os Estados Unidos não têm um adido cultural, um embaixador da cultura. Não temos! E olha só toda essa música e arte que nós temos! Nós somos a linha de frente disso aí. E não temos alguém representando isso? Todas as outras culturas têm isso, mas nós, nos EUA, não temos um embaixador das artes e da cultura.

Nós temos que parar com esse nonsense, mano! Parar com essa coisa egoísta, essa zoeira! Começar a ser um estorvo e deixar de ser um embaraço. (…)

Atualmente, eu vejo que onde as pessoas estão, e o hip hop está, eles só querem a música. Não querem os outros elementos. E é aí que as pessoas estão fazendo mal para si mesmas. Elas não querem os elementos. A fita toda é essa.

Trecho com DJ Kool Herc no documentário ‘Beat This! A Hip Hop History’:

DM: Você tem filhos, certo?
Herc: Sim!

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Afrika Bambaataa e DJ Kool Herc

DM: Então, do mesmo jeito, como qualquer criança, você tem que deixar ela ir. É uma comparação louca, mas havia esse livro, sobre o cientista que descobriu o LSD por acidente, chamado “Meu Filho Problema”. E ele basicamente falou sobre como é complicado quando uma coisa potencialmente tão bonita pode ser cooptada. Como o pai do Hip Hop, como você se sente sobre a situação como o seu filho está hoje?
Herc: Está confuso, confuso. E é pra estar mesmo. Porque você tem milionários que saíram do Hip Hop, e tudo o que eu posso dizer é: você está nessa “pela causa” ou “por causa”? Sacou? Porque, se você ama o Hip Hop, você é pela causa, ou está aqui por causa?

Seja pai ou mãe, então você vai estar representando. E você vai honrar meu nome? Porque você deveria fazê-lo? Eu não me importo. Eu não sinto falta disso. Tem uns manos que nunca nem ouviram falar de mim.

E nós não podemos ter disputa. A fita acaba por aqui. Então, qualé? Eu sou seu pai! Me bota no jogo! Deixa eu fazer o churrasco. Eu vou queimar esse churrasco!

DM: Certeza…
Herc: Entende o que eu tô falando? Você deixa eu chegar na sua festa VIP. Mas, ao mesmo tempo, eu não estou implorando. Eu dei o que tinha de dar. Sei lá, vai ver que eu comecei a cultura errada, provavelmente. Devia te começado o rock’n’roll! (risos)

Kool Herc e as primeiras festas no South Bronx (em inglês):

DM: Bem, nenhum dos originais, dos verdadeiros, realmente recebeu à altura. E eu penso que sei a resposta, mas devo ir em frente e perguntar: se você tivesse que pedir alguma coisa de volta para o Hip Hop, não seria a grana, seria?
Herc: Não, não, não, não… Não pediria o dinheiro. Eu gostaria de poder controlá-lo, organizá-lo, para poder ajudá-lo. Hoje em dia até os esportes que eram do beco estão organizados. Nós temos uns homens-bomba por aí, mano…

DM: De uma política para outra – e uma questão que certamente todo o mundo faz: como você pensa essa mudança que tivemos do vinil para o digital na cultura dos DJs?
Herc: É conveniente, porque nada permanece sem mudar. Mas, ao mesmo tempo, eu adoro meus vinis, e você não vai poder ter isso hoje. É a mais alta fidelidade do som!

DM: Quantos discos você tem?
Herc: Ah! Você sabe. Tenho o suficiente! Eu não fico moscando nisso…

Publicado por Portal Bocada Forte

Pioneiro no Brasil, fundado em 1999, o BF tem como foco o original hip hop brasileiro e internacional, com ênfase na cena alternativa.

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