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Ao lado dos cubanos do La Invaxión, material gravado em Havana mostra intercâmbio musical

Por Jéssica Balbino, Especial de Havana, Cuba

“Uma Só Voz”. Este é o título da canção gravada pelo Inquérito em parceria com o grupo de rap cubano La Invaxión. O trecho do refrão resume do que o hip-hop é capaz: encurtar distâncias geográficas, quebrar barreiras de linguagem, romper com embargos políticos e socioeconômicos, possibilitar o encontro e arte.

Durante o mês de abril, passamos sete dias em Havana. Entre as muitas atividades e curiosidades, uma das plataformas onde escrevemos a nossa própria história e eternizamos nossas lembranças é este videoclipe, que teve a direção de Mandefro Rosa Pagán – um psicólogo filho de pai médico e etíope e de mãe cubana, que deixou a profissão do diploma para se dedicar ao que ama: o audiovisual – e foi produzido a muitas mãos, mentes e corações.

Com versos que falam sobre poesia, música, política e oportunidades, os rappers cubanos do La Invaxión, Yusniel Alonso Cepero, conhecido como Cepero e Reinier Morejo Hernandes, conhecido como Black Soul, somam-se a Renan Inquérito em um intercâmbio de ideias de vivências, que, novamente, somente o hip-hop pode proporcionar.

A construção da canção teve início em janeiro deste ano, quando em viagem ao Uruguai para o lançamento do disco “Corpo e Alma” e a realização de uma Parada Poética, Inquérito conheceu um dos integrantes do grupo, o gastrônomo Yoyo Lopez, também chamado de Mala Bizta. Deste contato firmaram-se as ideias de uma parceria que chegou antes do previsto.

Apenas três meses depois, Renan Inquérito desembarcava em Havana em um sábado de abril. Na capital da ilha – que tem o tamanho da cidade de São Paulo – a primeira coisa foi tentar contatar Cepero, de quem tinha o telefone e com quem o único contato havia sido feito por e-mail – lembrando a precariedade da internet cubana.

A música teve a produção de Dj Duh, da Groove Art´s, que é quem também assina a produção do disco mais recente do grupo, o Corpo e Alma, mas foi gravada em um estúdio em Havana. A mixagem ficou por conta de Maurício Cersósimo, no entanto, toda a composição foi feita em conjunto, entre os três rappers.

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Já a produção do clipe ficou por conta de Mandefro, Roberto Álvarez, Cepero e das brasileiras Priscila Prado e Jéssica Balbino (esta que voz escreve). A edição, montagem e finalização do material audiovisual foi feita por Vras77.

Nem fronteiras, nem barreiras “Gravar em Cuba foi mágico, a arquitetura, os carros, o povo, o clima do Caribe, achei que o idioma seria uma barreira, mas no fim o rap falou mais alto do que tudo”, anunciou Renan Inquérito ao descrever os dias de trabalho no Caribe.

O primeiro encontro, marcado para dois dias depois, na segunda-feira na parte da tarde, ocorreu com a viagem dos rappers a Havana. Ambos vivem no distrito de Candelária, na província de Piñar Del Rio, há 100 km da capital, trecho que precisa ser percorrido em dois veículos com carroceria e cobertos com lonas na parte traseira, o que no Brasil chama-se de ‘pau de arara’, especialmente no nordeste.

Neste cenário – para além dos carros antigos, dos prédios históricos e da sensação de pertencer à década de 1960 – o que não falta é inspiração para a composição. Por isso, o primeiro encontro, que se deu com Cepero no hotel em que estávamos e se encaminhou para a casa do diretor do vídeo, Mandefro, teve sequência com Black Soul compondo a parte em que cantaria e com todos nós rumo ao estúdio de Liban, um produtor local.

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Primeira classe não define melhor passageiro O verso cantado por Cepero, em espanhol, mas muito claro pra quem fala português, exemplifica que nem mesmo o tamanho diminuto do estúdio, o calor de mais de 30 graus e o fato de terem se encontrado poucas horas antes é o suficiente para limitar alguém, tampouco o talento de rappers que driblam a escassez com a criatividade.

“A escassez gera a criatividade, nisso os países latino americanos são muito parecidos, o Brasil tem muito mais recursos materiais do que Cuba, mas o povo cubano tem uma energia, uma sede de viver extraordinária, o calor humano deles foi combustível pra mim. Sem contar que a caneta dos caras é pesada, eles escrevem muito bem, poesia pura, coisa que tá ficando rara no rap brasileiro…Adoro uma parte do som em que ele diz: “primeira classe não define melhor passageiro”, ou então: “nenhuma empresa me converterá em sua presa se tenho a essência”, destaca Renan Inquérito.

Em poucas horas, a canção está pronta. E, no caminho de volta – numa capital onde o transporte público praticamente inexiste – encontrar um local para comer é pretexto para mais tempo juntos, tentando entender o idioma, fortalecendo os laços e contando histórias sobre ambos países.

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Uma câmera na mão e um intercâmbio musical Mais do que gravar o clipe, a maneira cubana de produzir as locações e lidar com os fatores externos pode ser uma escola para os brasileiros, presos em seus quadrados de horários, marcações ou regras.

O intercâmbio musical entre o Inquérito e o La Invaxión mostrou que, na prática, o que precisa-se ter é uma câmera na mão e o coração pulsando no peito. Logo na primeira manhã de gravação em Havana Velha, dezenas de estudantes recém saídos da escola emocionaram-se com a canção nos alto-falantes e pararam para cantar e dançar junto com o grupo.

A espontaneidade da ação marcou não apenas o videoclipe, mas quem viu a cena. A carência cultural dos jovens encontrou a sintonia necessária no rap que estralava os falantes no meio da rua em um dia de semana.

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Soy Callejero e o ‘arroz’ socializado com carinho Que o rap é rua todo mundo já sabe, mas, conhecer as ‘calles’ de Cuba e se tornar ‘callejero’ é para poucos. E a única forma de fazer isso sem o filtro turístico que cerca os visitantes do país é estar com os cubanos. E com cubanos que conhecem o local em que vivem. Onde a divisão de histórias e vivências dá-se pela operação matemática da soma. Difícil traduzir em palavras o que só a experiência “de las calles” dá.

“Mais do que um regime socialista o que eu encontrei foram corações comunistas, que independente do partido, independente do regime, são humanos acima de tudo, e quando não se tem muitos bens materiais, quando o tudo que se tem é nada, restam os sentimentos, as pessoas, ou seja, aquilo que há de mais valioso e esquecemos todos os dias, por isso meu coração não está a venda, nem pra alugar, mas há-lugar”, define Renan Inquérito.

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“A maioria aqui nem sabe o que é comunismo, mas sempre socializa o arroz com o vizinho, reparte a miséria com carinho, divide mesmo quando é pouquinho”, completa com o trecho da canção Cidade sem Cor, do álbum “Corpo e Alma”.

E essa frase é finalizada com a fala de Cepero, também no final da canção. “Tamo juntos, é nóis”, como aprendeu a dizer em português e incorporou ao vocabulário.

Pela América Latina A experiência de gravar em Cuba despertou no Inquérito o desejo de conhecer e gravar com outros artistas da América Latina. No próximo mês, além de um show em um festival em Buenos Aires, na Argentina. De passagem pelo país, a ideia é também gravar com músicos argentinos.

Vale destacar também que no início deste ano o Inquérito já esteve no Uruguai, onde lançou o disco “Corpo e Alma” – lançado em comemoração aos 15 anos do Inquérito e premiado como o melhor de 2014 – e fez uma Parada Poética – atividade literária que envolve a poesia em seus mais diferentes suportes.

Serviço – Mais informações sobre o Inquérito podem ser acessadas pelo site do grupo.

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